Utilizamos sus datos para analizar y personalizar nuestro contenido y anuncios mientras navega en nuestro sitio web.
Al continuar, usted acepta nuestra Política de Privacidad.

A “ameaça” da educação domiciliar – Falácias dos críticos da liberdade educacional

A “ameaça” da Educação Domiciliar – falácias dos críticos da Liberdade Educacional
 
A aprovação, na Câmara dos Deputados, do Projeto de Lei que autoriza a prática da Educação Domiciliar (ou Educação Híbrida, como prefiro) inten
sificou reações a respeito. Na tentativa de contribuir para o debate, comento aqui alguns dos argumentos dos seus opositores – via de regra pessoas da elite, cujos filhos estudam em escolas privadas, mas que se dizem defensores da escola pública (para os filhos dos outros).
 
1) Especialistas estão preocupados com as consequências pedagógicas e sociais de manter um aluno fora da escola.
 
Por que, durante a pandemia, esses especialistas não se preocuparam com as consequências pedagógicas e sociais de manter um aluno fora da escola quando a escolha dos pais era tê-los na escola? Por que, mesmo com a grande maioria dos professores vacinados, esses especialistas não reagiram à sordidez dos que exigiam continuar a receber em dia seu salário, ao mesmo tempo em que se recusavam a prestar os serviços para os quais foram contratados?
 
Ora, se os especialistas se preocupassem efetivamente com consequências pedagógicas e sociais, reagiriam não contra a escolha de uma minoria pela Educação Domiciliar e sim, contra o sistema escolar brasileiro, que é absolutamente desastroso e vem há anos sendo imposto a quase 50 milhões de estudantes.
 
2) Crianças educadas fora da escola não aprendem a respeitar a diversidade.
 
Diversidade? Poucos ambientes limitam a diversidade tão intensamente quanto uma sala de aula. O que temos nelas são crianças da mesma idade, do mesmo nível sócio econômico, estudando os mesmos assuntos, ao mesmo tempo, a partir de um currículo comum, baseados em uma ideologia comum, guiados por professores formados e ideologicamente doutrinados também a partir de um currículo comum.
 
A real diversidade de valores, interesses, habilidades e dificuldades de cada aluno é submetida à hegemonia imposta no contexto escolar. E, se em países onde há diversidade de opções de escolas, famílias podem escolher aquela que se coaduna com seus valores e aspirações, no Brasil, acontece o oposto. O sistema educacional brasileiro impõe uma base curricular comum a todas as escolas, sejam elas públicas ou privadas, laicas ou confessionais. 
 
Permitir que seus filhos se aprofundem nos assuntos de seu interesse e desenvolvam sua ‘diversidade’ única é, aliás, uma das razões alegadas por pais educadores para tirar seus filhos da escola. A verdade é que há cada vez menos espaço no ambiente escolar para o exercício do pensamento não hegemônico imposto. Ao contrário: o que tem prevalecido na escola é a visão autoritária de um determinado tipo de “diversidade” que se sobrepõe à real diversidade: a de valores e ideias.
 
3) O motivo principal da escolha pela Educação Domiciliar é o conservadorismo religioso e o desejo de impor uma “pauta de costumes”.
 
Chamar de “pauta de costumes” a defesa de um direito humano, do qual famílias dos mais diversos costumes e valores são privadas, é tentativa de pessoas cujo costume é defender o coletivismo sobre o indivíduo.
 
Aos fatos: o relatório publicado em 2021 pelo EdChoice sobre os praticantes de Educação Domiciliar americanos, país de maior contingente de praticantes de Educação Domiciliar, mostra que, para os entrevistados que já praticavam ou passaram a praticar o Homeschooling, os principais motivos para adotar a prática eram, à época da pesquisa:
 
1) a pandemia
2) maior flexibilidade para o aprendizado dos filhos
3) mais atenção individualizada para os filhos
 
Prover instrução religiosa para os filhos aparece no 10° lugar dentre as motivações. 
 
Uma robusta revisão literária publicada em 2020, mostra que dentre os objetivos que prevalecem na escolha pela Educação Domiciliar estão o desejo de preservar os filhos de influência negativa em questões relativas a segurança e drogas, a necessidade de prover uma educação de qualidade — e entre os pais afro-americanos, isso significa também educar com o objetivo de impactar a cultura e a história dos negros —, o desejo de fortalecer as relações familiares, e, para pais de crianças com deficiência, a insatisfação com os serviços que lhes são disponibilizados na escola pública (americana!), onde seus filhos sofreram bullying ou enfrentaram estigmas.
 
No Brasil, temos poucos dados, já que as famílias temem se expor e serem perseguidas, mas em 2020, o Instituto DataSenado realizou uma enquete nacional para avaliar a opinião dos brasileiros sobre Educação domiciliar. Foram entrevistados 2.400 cidadãos de 16 anos ou mais, em amostra representativa da opinião da população brasileira. Apenas 22% das famílias brasileiras que consideram optar pelo Homeschooling o fariam por motivos religiosos.
 
4) Pais e mães praticantes de Educação Domiciliar podem ensinar conceitos anticientíficos.
 
Lamentavelmente, conceitos anticientíficos já são amplamente ensinados nas escolas sem grande oposição. A escola ensina, por exemplo, que o socialismo liberta, que gênero é construção social e que o agronegócio brasileiro destrói a natureza. Esses e outros ‘terraplanismos’  seguem nos currículos das escolas, impactando quase 50 milhões de estudantes, aparentemente, sem incomodar os críticos da Educação Domiciliar.

Infelizmente, o ensino desses e de outros conceitos absolutamente refutados pela Ciência é tolerado, e mesmo incentivado, pelo Estado. Para piorar, cabe ao pagador de impostos financiá-lo para mais de 80% dos estudantes brasileiros — os quase 40 milhões de estudantes das escolas públicas. Nada disso parece preocupar os ardorosos “defensores da Ciência” que criticam os pais educadores religiosos.
 
5) A prática de Educação domiciliar favorece interesses privados e enfraquece a escola pública.
 
Mesmo do ponto de vista utilitarista, este argumento é indefensável. Diversos estudos demonstram que a forma mais adequada de fortalecer a escola pública é fomentar, através de financiamento público, um mercado educacional livre, que atenda à diversidade de demandas e que permita que apenas as melhores escolas sobrevivam. Ou seja, a defesa da escola pública não passa pelo desrespeito à liberdade de educar fora da escola. Passa sim pela competição, pela concorrência, pelo mercado.
 
Do ponto de vista ético, só piora. Defender a escola pública baseado na ideia de que um suposto bem comum deve prevalecer sobre a liberdade individual revela uma visão coletivista da sociedade. No coletivismo, quem estabelece esse ‘bem comum’, e principalmente, o papel que cabe a cada peça da engrenagem — a cada indivíduo — para chegar a ele, é sempre um pequeno grupo, uma elite arrogante e autoritária.
 
Ora, claramente, impor a desumanização de indivíduos, torná-los meras peças de uma engrenagem, em prol de um objetivo, qualquer que seja ele, não tem nada de virtuoso, justo ou desejável. Não importa quanto se manipulem narrativas ou se apele para uma ‘culpa coletiva’: não há nenhuma justificativa ética para defender ações nesse sentido. Quando adotadas em pequena escala, causam danos localizados, mas continuam sendo antiéticas. E uma vez estabelecidos o controle e a aceitação tácita, é difícil retroagir.
 
Ou seja, a intenção aparentemente virtuosa do argumento da defesa do “bem público” não passa de afetação para a pretensão coletivista de suprimir a individualidade das pessoas, a sua essência humana, em nome de um suposto bem maior, coletivo. É precisamente isso que faz alguém que, por trás do seu exibicionismo moral, condena pais que, sem prejudicar o direito de outros fazerem o mesmo, exercem o seu direito humano de proporcionar as melhores chances de futuro para seus filhos. Sabemos perfeitamente o que aconteceu com todas as sociedades em que ideologias coletivistas, sejam as fascistas/nazistas, sejam as socialistas, foram levadas ao extremo. Não foram exatamente os valores democráticos ou o bem coletivo que foram elevados.
 
6) Pais não sabem o conteúdo de todas as matérias do currículo. É um risco e um desrespeito abrir mão de profissionais preparados para ensinar.
 
Na verdade, a questão aqui tratada é um falso dilema porque dificilmente haverá nos pais educadores a intenção de fazer o que os professores fazem e para o que se requer treinamento. Não há que se negar pesquisas consistentes sobre a importância da formação docente para atuação em escolas. No entanto, a demanda existente nas escolas, aquilo que cabe ao professor desenvolver com turmas de alunos no contexto escolar não é o que oferecem os pais educadores em casa para um indivíduo específico. Embora análogas, são tarefas essencialmente diferentes — a dos pais que educam os filhos em casa e a do professor que educa alunos em uma escola — e, por isso, demandam competências diferentes.
 
No caso dos professores, o saber técnico, a capacidade de organizar conteúdos de forma lógica dentro de currículos extensos e tempo limitado, o saber ensinar os mesmos conteúdos de maneiras diferentes e de gerenciar grupos, por exemplo, fazem enorme diferença. No caso dos pais educadores, o ensino dos conteúdos é secundário. Deles, o que se demanda é que propiciem o ambiente, o tempo, o apoio e os recursos necessários para que seus filhos possam desenvolver o autodidatismo, a capacidade de ir buscar o conhecimento. Além do autodidatismo, pais educadores podem estimular os filhos a manter o foco no que é relevante para eles, permitindo-se assim um aprofundamento de determinados conteúdos, o que normalmente não cabe dentro das rotinas rígidas da escola e que professores, por melhores que sejam, não são autorizados a levar a cabo.
 
E não precisa haver conflito. Nada impede que os pais educadores que assim desejem, contem com a colaboração de professores particulares e especialistas para a escolha de currículos, projetos pedagógicos e materiais didáticos. A Educação Domiciliar não precisa ser vista como uma ameaça à legitimidade do trabalho docente; na verdade, ela pode inclusive abrir novos campos de atuação profissional para os educadores. Além de dar aulas para indivíduos ou grupos de praticantes de Homeschooling, professores treinados podem atuar na orientação de pais educadores, preparando currículos e avaliações customizadas, e desenvolvendo conteúdos para plataformas educacionais.
 
Quem quiser saber sobre a superioridade dos resultados acadêmicos dos praticantes de Homeschooling comparados aos escolarizados, nos Estados Unidos, pode checar na revisão literária já citada.
 
7) Crianças educadas fora da escola não aprendem a socializar.
 
Considere que habilidades de socialização incluem principalmente cooperação, liderança, trabalho em equipe e respeito às diferenças. Segundo a pesquisa TALIS de 2018, desenvolvida pela OCDE, para 54,9% dos professores brasileiros do Ensino Fundamental II, manter a disciplina dentro da escola é fonte de bastante ou muito estresse. Para os do Ensino Médio, esse percentual é de 50%. Mais: 35% dos diretores de escolas públicas brasileiras apontaram a intimidação ou o bullying entre os alunos do Ensino Fundamental II, como situação que ocorre semanal ou diariamente. Quase 30% do tempo do professor é perdido devido à indisciplina.
 
Segundo essa pesquisa, os estudantes brasileiros estão entre os menos cooperativos, comparados com os de outros países participantes do PISA. Será mesmo que a escola brasileira é o local ideal para desenvolver habilidades de socialização? Não nos parece. Tudo indica que não são os praticantes de Educação Domiciliar que têm se destacado por serem socialmente desajustados e sim aqueles que frequentam as escolas e seu ambiente cada vez mais violento para professores e alunos. Aliás, a violência e o bullying nas escolas brasileiras, é uma das principais razões para famílias optarem pela Educação Domiciliar. Segundo a enquete feita pelo Instituto DataSenado já citada, para 77% das famílias, impedir que os filhos sofram bullying seria a principal razão para adotar a Educação Domiciliar.
 
Se o Estado brasileiro deseja impedir que crianças educadas em casa sejam socializadas de maneira inadequada, o melhor que pode fazer é garantir segurança jurídica para a Educação Domiciliar. Isto permitirá o acompanhamento das famílias educadoras, estimulará pesquisas, especialização e difusão de melhores práticas nesta modalidade.
 
Enquanto não temos nossos próprios dados em número suficiente, podemos consultar pesquisas internacionais sobre os efeitos da Educação Domiciliar sobre a capacidade e de socialização. Nessa revisão literária, os resultados positivos para os praticantes de Educação Domiciliar incluem menos depressão, menor consumo de álcool entre menores de idade, menor uso/abuso de álcool, tabaco e drogas ilícitas, maior senso de cooperação, assertividade, empatia e autocontrole, mais posições de liderança, menos agressividade, menos passividade, mais maturidade social e maior autoestima.
 
8) Crianças praticantes de Educação Domiciliar são vítimas de pais abusadores.
 
Este é o mais canalha de todos os “argumentos”. Evidentemente, o abuso infantil é uma preocupação legítima das sociedades e deve ser severamente combatido. Entretanto, isto não inclui pré-condenar um grupo a partir de crimes cometidos por indivíduos.
 
Relacionar o aumento da violência doméstica contra crianças que vimos durante a pandemia à Educação Domiciliar é de uma ignorância (ou má fé) atroz. Claramente, os casos de abuso que não puderam ser reportados porque as escolas estavam fechadas, se deram nas famílias cujos filhos frequentavam escolas. Trata-se de pais criminosos que, tragicamente, graças aos esforços dos que lutaram para manter escolas fechadas, tiveram mais oportunidade de abusar de seus filhos. Tal dado nada diz, portanto, sobre as crianças que já eram educadas fora da escola.
  
De fato, não apenas não há evidências de que pais praticantes de Educação Domiciliar sejam mais propensos a abusar de seus filhos do que os que não praticam, como há evidências do oposto. Um estudo de 2018 feito nos Estados Unidos mostra que crianças praticantes de Homeschooling têm menos probabilidade de sofrer abusos do que seus amigos que frequentam escolas. Segundo esse estudo, cerca de 10% (ou mais) dos alunos de escolas públicas e privadas americanas são vítimas de má conduta sexual de funcionários das escolas. Além disso, alguns desses alunos são abusados ​​por seus pais.
 
Esse estudo vem confirmar um anterior: o Departamento de Educação dos Estados Unidos publicou em 2004 uma revisão literária que estimou que durante sua vida escolar, aproximadamente 9,6% dos estudantes americanos são vítimas de má conduta sexual por parte de funcionários lotados nas escolas públicas.
 
No Brasil, não temos estudos sistematizados sobre abusos e má conduta sexual de funcionários de escolas, mas sabemos que o tráfico de drogas dentro e no entorno das escolas, e agressões físicas e psicológicas contra estudantes e professores não são exatamente raros.

Na verdade, uma enquete feita em 2023 pelo Instituto Locomotiva em parceria com o Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) mostra que 69% dos estudantes consideram haver um nível médio ou alto de violência nas escolas estaduais do estado de São Paulo. Entre os professores, esse percentual é de 68% e, quando os familiares dos alunos respondem, o índice chega a 75%. Segundo a mesma pesquisa, 41% dos alunos não se sentem seguros no entorno das escolas e 26% não se sentem seguros dentro das escolas. 71% dos estudantes e 73% dos seus familiares afirmaram ter conhecimento de casos de violência em suas escolas. Embora esses números não necessariamente reflitam a realidade nacional, eles evidenciam um nível assombroso de violência no âmbito escolar. 
No entanto, obviamente, não vemos ninguém defender a absurda ideia de que é preciso proibir o ensino escolar para evitar que estudantes sejam vítimas desses tipos de violência.
 
Na verdade, a regulamentação vai facilitar o acompanhamento das famílias e da saúde física e psíquica das crianças que já praticam o Homeschooling e que continuarão a fazê-lo com ou sem regulamentação.
 
 
9) A Educação Domiciliar não é uma prioridade para o Brasil.
 
Para o sistema estatal de escolas, evidentemente, a Educação Domiciliar não é uma prioridade, mas para famílias praticantes, vivendo há décadas na clandestinidade, é. Aliás, essa é uma questão debatida no Brasil há mais de 20 anos. Durante todo esse tempo, a escolarização não foi tratada como prioridade urgente, nem seus problemas gravíssimos foram resolvidos apesar do crescente investimento financeiro. Por que deveríamos acreditar que, se o direito à Educação Domiciliar continuar sendo ignorado, tais problemas seriam tratados com a urgência que merecem? Quanto tempo mais as famílias educadoras teriam que esperar? Mais 20 anos? É absolutamente falacioso afirmar que é a regulamentação da Educação Domiciliar que impede a melhora da escolarização no Brasil.
 
Aliás, muitos dos problemas da escola brasileira seriam reduzidos se as famílias dos escolarizados também tivessem mais liberdade de escolha. Isso se dará quando o Estado abrir mão do monopólio dos recursos da Educação, que vão exclusivamente para instituições estatais, dominadas pelo corporativismo, e passar a financiar os estudantes diretamente. É assim na grande parte dos países de excelência educacional, como a Holanda, a Estônia e a Suécia. É assim também no nosso vizinho Chile, cujos resultados educacionais e índices socioeconômicos são superiores aos nossos e onde a Educação Domiciliar, há décadas, é permitida.
 
Para os grupos de interesse, como sindicatos e burocratas da Educação, por exemplo, cujo poder depende de que famílias sejam reféns do sistema escolar, a Educação Domiciliar não apenas não é uma prioridade, como representa uma ameaça. Vai que a moda pega e mais famílias, inclusive as de crianças escolarizadas, se apercebam de que a educação de seus filhos seria muito melhor se elas fossem livres pra escolher...

 
 

COMPARTE EN REDES SOCIALES

Por Anamaria Camargo 23/05/2022