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As cotas e a "universidade" brasileira

A função de uma universidade não é promover justiça social ou reparação histórica – qualquer que seja a definição dada a esses termos. A função de uma universidade é buscar a verdade através da excelência de seus professores, alunos e pesquisadores. E, como sabemos, a verdade não varia conforme o nível socioeconômico, a raça, o gênero, a orientação sexual, etc. de quem a busca. Ela existe objetivamente e a sua busca, em uma universidade, deve ser conduzida com rigor, racionalidade e humildade – algo que apenas quem é excelente consegue fazer.
 
Humildade aqui é um valor extremamente importante. Não tem a humildade necessária, quem acha que teorias não falseáveis, baseadas em “experiências vividas”, por exemplo, devem ser levadas a sério. Não tem a humildade necessária, quem acha que um consenso científico – com o qual ele concorda ou do qual obtém vantagens – não pode ser questionado através de ciência mais rigorosa. Não tem a humildade necessária, quem acha que o revisionismo histórico de sua conveniência deve se sobrepor a fatos históricos. Não tem a humildade necessária, quem acha que a realidade dos fatos deve se submeter à sua dor, à sua incompetência ou à sua burrice.
 
Evidentemente, pessoas de qualquer raça podem ser igualmente rigorosas, racionais, e humildes na busca pela verdade. A excelência não tem raça nem cor. Não há, portanto, qualquer razão para selecionar estudantes através de cotas raciais.
 
Já a capacidade cognitiva, fortemente impactada pelo nível de educação básica, efetivamente afeta a excelência na busca pela verdade na universidade. Apoio financeiro – não cotas – para todos os estudantes pobres, portanto, se justificaria desde que eles estivessem cognitivamente e academicamente prontos para a universidade. Sabendo disso, é urgente permitir aos socialmente vulneráveis, o acesso à educação básica de excelência. Lamentavelmente, isso é algo que o sistema público brasileiro não tem intenção de fazer e que não pode ser remediado através de cotas na universidade.
 
Ao não priorizar o bom nível acadêmico dos entrantes e, consequentemente ter que nivelar por baixo os cursos universitários para poder atendê-los, a excelência na busca pela verdade, que depende de alto grau de cognição, fica comprometida. É claro que, para formar professores de excelência e para levar à frente pesquisas de relevância científica internacional, por exemplo, é necessário um esforço consideravelmente menor de quem chega à universidade bem preparado do que de alguém cujo perfil acadêmico/cognitivo é abaixo do mediano. Infelizmente, esse é o perfil da média dos egressos do ensino médio público: apenas 30% têm nível de aprendizagem adequado em Português e apenas 5%, em Matemática (1).
 
Alegam os defensores das cotas que o desempenho acadêmico entre cotistas e não cotistas é o mesmo, não havendo diferenças consideráveis. Não é a inteira verdade e mesmo onde há verdade, ela depõe contra as cotas. Não há igualdade de desempenho entre cotistas e não cotistas em todos os cursos ou disciplinas: naqueles em que a exigência acadêmica é acima da média – e a média é bastante baixa – as diferenças são bastante significativas.
 
Por exemplo, quando há uma nota mínima para entrada estipulada pelo curso, como na USP, essa diferença fica evidente. Em 2022 (2), nos cursos de Engenharia de Petróleo e em ao menos outras seis graduações, como Engenharia Civil ou Ambiental, a quantidade de inscritos como cotistas foi inferior à de vagas. Na Unicamp, não foi diferente: em 2018, o percentual de estudantes da rede pública aprovados no vestibular para o seletivo curso de Engenharia de Produção foi de apenas 21,7% (3). E, quando esses estudantes conseguem entrar, acontece o que vimos recentemente: para evitar a evasão dos estudantes cotistas, a UFRJ resolveu baixar o nível de exigência na disciplina de Cálculo (4).
 
Por outro lado, em cursos pouco concorridos e/ou pouco seletivos na entrada, como Biblioteconomia e Serviço Social, as diferenças de desempenho se perdem na média. É o que acabam admitindo os pesquisadores Godoi e Santos (5), ao afirmar que “em determinadas áreas do conhecimento (como as ciências da saúde), o rendimento dos não-cotistas costuma ser de fato superior ao dos cotistas, mas na média geral não são consideráveis.”  E olhe que a média geral é baixíssima:
 
Considere os dados obtidos a partir do Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf) de 2018 (6):

- 25% dos que ingressaram ou concluíram o Ensino Superior têm nível de alfabetismo Elementar;
- Se somarmos com o percentual de nível Rudimentar (quase analfabetos), 4%, teremos 29% de universitários incapazes de localizar informações em textos jornalísticos ou científicos e de calcular porcentagens ou proporções;
- Dos que ingressaram ou concluíram o ensino superior, apenas 34% alcançaram o nível Proficiente; ou seja, 66% deles NÃO são plenamente alfabetizados.
 
Resta-nos indagar que tipo de curso universitário confere um diploma de graduação a pessoas mal alfabetizadas ou mesmo analfabetas funcionais. Pois bem, provavelmente trata-se daqueles em que a diferença de desempenho entre cotistas e não cotistas não é estatisticamente significativa. Até porque, embora muito superior à média dos egressos da escola pública, o desempenho da média dos alunos egressos da rede privada brasileira também deixa muito a desejar. A pouca diferença de desempenho, existente na maioria dos cursos, diz mais sobre o baixo nível de exigência desses cursos do que sobre a capacidade de superação dos cotistas, por mais que efetivamente haja esforço e dedicação dessas pessoas.
 
Ou seja, o que a política de cotas democratizou, às custas de todos, inclusive dos mais pobres, foi o acesso a instituições de ensino e extensão de baixo nível acadêmico, onde estudantes semi-alfabetizados pouco aprendem, e pesquisadores produzem estudos que só interessam ao colega de departamento. E olhe lá.
 
Mas, a verdade é que nada disso importa para os defensores das cotas porque a excelência, o rigor, a busca pela verdade – que eles sequer admitem que existe – não lhes interessam. O que eles chamam de universidade é outra coisa: trata-se de uma seita e seu objetivo maior, evidentemente, é arrebanhar e formar sectários. Gente disposta a divulgar a doutrina da Justiça Social Crítica (o Wokismo), ocupar espaços, abraçar a praxis.
 
Lamento muito pelo Brasil e pelos muitos professores excelentes, alguns queridos amigos, que trabalham nessas instituições, onde, de modo geral, são vistos, claro, como hereges. Cada vez mais, o que se produz nessas instituições se baseia em e é imposto de forma doutrinária e fundamentalista. A beleza e a Ciência cedem espaço à escatologia, à perversão, à tirania, e como temos visto recentemente, ao racismo despudorado.
 
Para esse fim, para servir a esse tipo de instituição, o sistema de cotas efetivamente é o mais eficaz.

 
(2) https://g1.globo.com/educacao/enem/2021/noticia/2022/02/17/usp-exige-750-pontos-em-matematica-no-enem-e-afasta-cotistas-do-sisu-fora-da-realidade-diz-candidata-negra.ghtml    
(3) https://g1.globo.com/sp/campinas-regiao/noticia/unicamp-2018-indice-de-aprovados-da-rede-publica-diminui-e-fica-abaixo-de-50-diz-comissao-negros-e-pardos-aumentam.ghtml 
(4) https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/ufrj-mudar-curriculo-calculo-evasao-cotistas/
(6) https://acaoeducativa.org.br/wp-content/uploads/2018/08/Inaf2018_Relat%C3%B3rio-Resultados-Preliminares_v08Ago2018.pdf

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Por Anamaria Camargo 25/10/2023