Utilizamos seus dados para analisar e personalizar nossos conteúdos e anúncios durante sua navegação em nosso site.
Ao continuar, você concorda com a nossa Política de Privacidade.

PESQUISA LPE

Preferências, prioridades e escolhas dos pais brasileiros para a educação dos seus filhos – e por que eles devem ser livres para escolher

Introdução

Um dos argumentos recorrentes contra a liberdade de escolha educacional no Brasil, através de um sistema de vouchers ou de serviços educacionais não chancelados pelo Estado, como fazem as famílias homeschoolers, por exemplo, é o de que famílias pobres seriam incapazes de fazer escolhas adequadas para seus filhos. Incapazes, na melhor das hipóteses; frequentemente, o que se lê nas entrelinhas desse argumento é que pais e mães pobres sequer se preocupam com a educação dos seus.

Por exemplo, ao longo do seu livro A Árvore Bela (2020)1, James Tooley mostra a maneira condescendente e preconceituosa de organismos internacionais e agentes públicos quanto à capacidade de escolha educacional dos pobres. O livro, que traz a pesquisa de Tooley sobre escolas particulares de baixo custo em países em desenvolvimento, mostra que pais e mães extremamente pobres têm escolhido pagar ao invés de enviar seus filhos para as escolas públicas disponíveis. Em uma das passagens, Tooley narra a entrevista que fez com Mary Taimo Ige Iji, chefe da administração educacional de Mainland, Lagos, Nigéria. Segundo ela, o ponto mais importante na escolha dos pais e mães pobres é um “falso status simbólico”:

“Os pais pobres “querem se ver como pais ricos, pais atenciosos, que matriculam seus filhos em escolas pagas e supostamente melhores”. Mas esses pais pobres, como todos sabemos, acabam sendo ludibriados. Eles são, nas palavras da Sra. Mary, “uns ignorantes”. (Tooley, 2020, p. 149-150)

É a arrogância travestida de boas intenções, tão corriqueira entre a elite bem-pensante brasileira quando, por exemplo, ignora a capacidade dos pais de escolher e estabelece os “riscos” de um sistema de vouchers no Brasil já que o Estado não teria como avaliar a qualidade da educação provida (Carnoy & Simielli, 2022)1:

“O problema para um país como o Brasil, que conta com 26 estados, o Distrito Federal e 5.570 municípios responsáveis pelos sistemas educacionais, é avaliar se a educação privada subsidiada conseguiria ser suficientemente regulamentada e responsabilizada financeira e academicamente para garantir ao público que o financiamento não está sendo mal utilizado, que os alunos estão recebendo educação de alta qualidade e que as escolas particulares não estão competindo apenas a partir da seleção dos melhores estudantes e/ou obtendo contribuições (mensalidades) das famílias para além dos subsídios governamentais.”

Mais do que arrogância e preconceito, o argumento encerra a obviedade constrangedora de que para esses seres iluminados – os ungidos, a que se refere Thomas Sowell1 – ser manipulado e fraudado pelo Estado é totalmente aceitável. Afinal, não é outra coisa senão fraude o que o Estado brasileiro faz ao confiscar os recursos dos cidadãos, supostamente para garantir educação, e lhes entregar jovens que chegam aos 16 anos analfabetos funcionais.

Felizmente, para quem a Ciência vale mais do que preconceitos, há vasta literatura sobre como pais e mães efetivamente atuam, dada a possibilidade de escolha em um livre mercado educacional. Uma dessas evidências é de que não há um padrão consistente na literatura que aponte diferenças entre os processos de escolha de famílias de baixa e de alta renda (Erickson, 2017).1

Este também é um dos resultados que encontramos na pesquisa 'Preferências, prioridades e escolhas - O que os pais e mães pensam sobre educação e o futuro de seus filhos’, cuja análise propomos aqui. Mais do que informar o debate acadêmico ou o setor público, buscamos aqui informar o mercado educacional – pais, mães, estudantes, professores, gestores escolares, empreendedores educacionais e setor produtivo – e aqueles diretamente afetados pela qualidade do aprendizado dos estudantes brasileiros – ou seja, todos nós.

Sumário Executivo

Seriam os pais e mães pobres brasileiros diferentes dos pais e mães estudados em outros países? Que objetivos educacionais os pais e mães de baixo nível socioeconômico (NSE) brasileiros têm para seus filhos? O que eles consideram uma escola ideal? Em que suas preferências e seus critérios diferem dos de pais e mães de NSE médio-alto? Caso pudessem fazer escolhas usando os recursos públicos que lhes cabem, quão desastrosas seriam essas escolhas para seus filhos e para a sociedade em geral?

As respostas para algumas dessas questões estão na pesquisa ‘Preferências, prioridades e escolhas - O que os pais e mães pensam sobre educação e o futuro de seus filhos’, encomendada pelo Instituto Livre pra Escolher. A pesquisa foi realizada pela iDados entre dezembro de 2022 e janeiro de 2023 com uma amostra de mais de 1.800 pais e mães de todo o Brasil. A amostra contém pais e mães de todas as grandes regiões, das capitais e do interior, de diversas faixas etárias, escolaridade e renda familiar e que possuem filhos de zero a 17 anos.

Os pais e mães responderam a um questionário online para captar suas preferências e percepções acerca do que eles desejam para seus filhos em termos de educação. São considerados pais e mães de nível socioeconômico baixo e médio-baixo (denominados de NSE baixo) aqueles que têm renda familiar de até 5.000 reais. Na amostra de participantes, cerca de 50% desses pais e mães possuem renda familiar de até 2.000 reais, enquanto 26% dos pais e mães de nível socioeconômico médio-alto e alto (NSE alto) possuem renda acima de 10.000 reais. Enquanto 69% dos pais e mães de NSE baixo possuem no máximo o Ensino Médio completo, 72,4% dos pais e mães de NSE alto possuem Ensino Superior completo. Dessa forma, há grandes diferenças entre os grupos por nível socioeconômico.

As preferências dos pais e mães são divididas basicamente em dois temas. O primeiro refere-se ao desejo dos pais e mães quanto aos objetivos e metas que eles gostariam que seus filhos alcançassem ao longo de sua trajetória escolar visando o sucesso no futuro. O segundo tema diz respeito às características de uma escola ideal que os pais e mães gostariam que seus filhos frequentassem se tivessem condições de acessá-la.

Trazemos a seguir suas principais conclusões e a nossa análise sobre os dados encontrados. Para nossa análise, consideramos também evidências de pesquisas científicas, que serão citadas ao longo do texto.

Resultados importantes

- O nível socioeconômico (NSE) dos pais e mães, incluindo renda e escolaridade, tem baixo impacto quanto aos objetivos e metas que eles gostariam que seus filhos alcançassem ao longo de sua trajetória escolar, visando o sucesso no futuro. O mesmo vale para as características da escola ideal, aquela que eles gostariam que seus filhos frequentassem. Se houver a possibilidade de escolha, através de vouchers, por exemplo, os dois grupos pesquisados tenderão a fazer basicamente as mesmas escolhas. Ou seja, o argumento de que políticas de liberdade de escolha educacional não são adequadas para o contexto brasileiro porque temos uma população amplamente pobre e pouco escolarizada não se sustenta.

- Em um dos temas pesquisados, um expressivo percentual de pais e mães de ambos os grupos (53% para os de NSE baixo e 50,8% para os de NSE alto), defendem que a escola ideal deve ‘Contribuir para a formação de caráter, ética e/ou moral dos alunos’. Se somarmos o percentual dos que escolheram esse critério com o dos que escolheram ‘Trabalhar habilidades como pontualidade, organização e responsabilidade’, teremos 92,4% dos pais e mães de NSE baixo e 91,6% dos pais e mães de NSE alto. Para ambos os grupos de pais, ‘Desenvolver um código moral de conduta’ é um objetivo mais valorizado do que ‘Aprender a valorizar a natureza’ – tema amplamente divulgado na mídia e prevalente na Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Claramente, independentemente do NSE, pais e mães buscam uma escola onde seus filhos aprendam valores normalmente mais associados a valores conservadores do que progressistas.

- Dentre os objetivos mais fortemente valorizados pelos pais e mães brasileiros e que aparecem em pesquisas como igualmente valorizados por pais e mães de outros países, além da formação do caráter, estão o desenvolvimento de hábitos de estudo, o fortalecimento da autoestima, de resiliência, de disciplina e de responsabilidade individual. Nesse contexto, destaca-se principalmente o bom clima escolar (seguro, acolhedor, respeitoso e ordeiro). Aparentemente, está claro para pais e mães que um bom clima escolar – como comprovam as evidências científicas – tem impacto extremamente relevante nos objetivos citados acima, assim como no nível de aprendizagem dos conteúdos escolares e na prevenção do absenteísmo e da evasão escolar.

- A caracterização da escola ideal como uma capaz de manter um bom clima para os estudantes e para a comunidade escolar é a expressão da preocupação de pais e mães de ambos os grupos com a questão da indisciplina e da violência na escola. Ainda que entendamos que dificilmente a escola sozinha conseguirá garantir o ensino da educação moral, do respeito, do fortalecimento de caráter e da disciplina – que deveria ser de responsabilidade principalmente dos pais e mães – o fato indiscutível é que pais e mães valorizam esses ensinamentos e entendem que o futuro dos seus filhos depende do quanto esse aprendizado se dá enquanto eles estão em idade escolar.

- Também relacionado ao clima escolar, o tipo de convivência social e o grau de desenvoltura interpessoal que seus filhos têm na escola é um fator extremamente importante para pais e mães de ambos os grupos. Aparentemente, eles têm a percepção de que as chances de realização pessoal e profissional de seus filhos dependerão da qualidade das relações que eles serão capazes de estabelecer com pessoas diversas.

- A perspectiva ideológica, divisiva, frequentemente presente em abordagens neo-marxistas, supostamente pedagógicas, de uma sociedade binária em que, para sobreviver, um grupo precisa vencer o outro, não é compartilhada por pais e mães, qualquer que seja o nível socioeconômico. Há um consenso robusto entre os dois grupos de pais e mães quanto à escola ideal, que deve atender alunos de diferentes origens sociais, raciais e religiosas. Da mesma forma, concordam quanto ao objetivo de que seus filhos tenham com essas pessoas, relações de empatia, respeito e cooperação. Ainda que reconheçam a existência do preconceito contra pobres, o racismo e a intolerância religiosa, pais e mães de todos os níveis socioeconômicos querem – igualmente – que seus filhos construam e vivam em um mundo melhor.

- Os pais e mães que desejam que seus filhos respeitem, tenham empatia e trabalhem bem com pessoas diversas – na sua origem social, na sua raça e na sua religião – são os mesmos que desejam uma escola ordeira, segura e que promova a formação ética e moral do caráter. São os mesmos que desejam uma escola disciplinadora, que ensine resiliência aos estudantes. São os mesmos que querem uma escola que apoie seus filhos que ficaram para trás no que precisam aprender para chegar a uma faculdade. São os mesmos que desejam que seus filhos tenham orgulho da sua diversidade e forte autoestima para buscar aprender sempre mais.

- As famílias socioeconomicamente menos privilegiadas são tão ambiciosas quanto as mais privilegiadas. Estão dentre os objetivos mais desejados por ambos os grupos de pais e mães, que seus filhos aprendam bons hábitos de estudo e que desejem aprender sempre mais. A ausência de um currículo ambicioso e tecnicamente embasado no Brasil não é uma escolha dos pais e mães e sim daqueles responsáveis por políticas públicas educacionais. São eles, e não os pais e mães, que optam por não seguir as boas práticas dos países de excelência educacional e submetem a formação de alunos e de professores às suas decisões desastrosas.

-Onde existe liberdade de escolha educacional, existem evidências a partir de pesquisas robustas de que as escolhas de pais e mães – inclusive dos mais pobres – garantem seus objetivos de diminuir o absenteísmo, aumentar a taxa de conclusão do Ensino Médio, promover a integração étnico-racial, estimular a tolerância política e o engajamento com valores cívicos. Outros objetivos alcançados são melhor desempenho na escola, diminuição da criminalidade juvenil e da taxa de gravidez na adolescência, maior nível de escolaridade, status ocupacional mais alto, maiores ganhos salariais e melhor saúde em geral. Ou seja, onde há liberdade de escolha educacional para pais e mães de baixo NSE, todos os objetivos buscados por pais e mães brasileiros – e mais alguns – são alcançados.

- Ainda que a questão da compulsoriedade da escola não tenha sido testada nesta pesquisa, diante dos objetivos de ambos os grupos de pais e mães para o futuro dos seus filhos, assim como diante dos critérios do que eles consideram uma escola ideal, podemos concluir que, ainda que a escola não fosse compulsória, pais e mães seriam capazes de fazer escolhas adequadas para seus filhos, com impacto positivo para eles como indivíduos e para a coesão social.

Seção I - Objetivos ao longo de sua trajetória escolar, visando o sucesso no futuro

- Aos pais e mães não são perguntadas as razões por trás dos objetivos escolhidos; por isso, nossa análise é especulativa. Sempre que possível, no entanto, ela é baseada em evidências obtidas na literatura.

O objetivo mais valorizado por ambos os grupos de pais e mães é ‘o desenvolvimento de habilidades socioemocionais como empatia, cooperação e respeito’. Já aqui aparece a importância atribuída ao aprendizado de comportamentos moralmente aceitáveis. Podemos concluir, portanto, que para pais e mães de ambos os grupos, no âmbito escolar, por exemplo, é primordial que seus filhos aprendam a respeitar o professor, a cooperar para que as aulas sejam dadas de modo eficaz e a ter empatia por colegas com dificuldades.

Não há qualquer dúvida de que a questão moral, traduzida através de comportamentos adequados ao que é correto, é importante para pais e mães. Ambos os grupos de pais e mães esperam que, ao longo dos anos na escola, seus filhos consigam ‘Desenvolver código moral de conduta’. Na verdade, este objetivo é mais valorizado do que ‘Aprender a valorizar a natureza’ ou ‘Estar pronto para o mercado de trabalho ao fim do Ensino Médio’.

Além de reconhecer a importância intrínseca de aprender comportamentos moralmente aceitos, outra possível razão pela qual pais e mães se preocupam com esse aprendizado é o crescente número de episódios de violência nas escolas, principalmente nas escolas públicas1. Os pais e mães não querem que seus filhos sejam protagonistas ou vítimas de atos de violência.

Muito importante também para ambos os grupos de pais é ‘aprender a trabalhar com pessoas diferentes em termos de raça, nível social ou religião’. Podemos considerar esse segundo objetivo como um componente do primeiro, já que ‘aprender a trabalhar com pessoas diferentes em termos de raça, nível social ou religião’ é também aprender a tratar com respeito, ter empatia, e cooperar com pessoas diversas. No entanto, mais do que um componente do primeiro objetivo, ele reforça o caráter moral e ético que esses pais desejam que seus filhos desenvolvam na escola.

Para ambos os grupos de pais, o comportamento não preconceituoso é considerado extremamente importante para o futuro dos filhos. As famílias se preocupam com o tipo de convivência social e o grau de desenvoltura interpessoal que seus filhos têm e terão na escola e no trabalho. Para eles, as chances de realização pessoal e profissional de seus filhos dependerão da qualidade das relações que eles serão capazes de estabelecer com pessoas diversas.

A partir dessas escolhas, podemos deduzir que está claro para os pais e mães que crianças e jovens violentos, incapazes de respeitar e cooperar com colegas e professores, e que não têm empatia (agem como bullies ou de maneira preconceituosa, por exemplo) terão reduzidas suas chances de sucesso pessoal e profissional; possivelmente, sequer serão capazes de concluir os estudos.

Ainda dentre os objetivos mais desejados por ambos os grupos de pais e mães para seus filhos estão ‘Aprender bons hábitos de estudo’ e ‘Sempre querer aprender mais.’ A ideia preconceituosa de que pais e mães pobres e pouco escolarizados não têm ambições educacionais para seus filhos e de que os obrigarão a trabalhar na primeira chance que tiverem não corresponde à realidade. Ao contrário: para eles, não basta ser exposto ao que é ensinado na escola; pais e mães ambicionam que seus filhos sejam capazes de estudar sozinhos de maneira eficiente e o façam habitualmente para que possam aprender sempre mais.

A suposição de que pais e mães de baixo NSE não têm interesse no desenvolvimento de hábitos que envolvam disciplina e esforço, é igualmente refutada por nossa pesquisa. Na verdade, os pais e mães de ambos os grupos reconhecem que o sucesso do seu filho no futuro depende muito do esforço individual. Para os pais e mães de alto NSE, o esforço individual é tão importante quanto a qualidade da escola. Para os pais e mães de baixo NSE, o esforço individual é mais importante do que a qualidade da escola. Embora saibam que seus filhos precisam se esforçar mais e ter mais resiliência para avançar educacionalmente, pais e mães de baixo NSE não esperam que a escola trate seus filhos com condescendência ou que tenham expectativas mais baixas por serem pobres. Não existe nesses pais a percepção de condições sistêmicas, estruturais que sejam intransponíveis para que seus filhos aprendam desde que os pré-requisitos estejam dados.

Podemos concluir também que pais e mães não se opõem a um currículo ambicioso em termos de conteúdo, desde que seus filhos sejam capacitados a lidar com ele de forma disciplinada. Evidência disso é que para pais e mães de ambos os grupos, ao final do Ensino Médio, filhos ‘preparados para faculdade’ é mais valorizado do que filhos ‘preparados para o mercado de trabalho’. A ausência de um currículo ambicioso e tecnicamente embasado no Brasil não é uma escolha dos pais e mães e sim daqueles responsáveis por políticas públicas educacionais. São eles, e não os pais e mães, que optam por não seguir as boas práticas dos países de excelência educacional e submetem a formação de alunos e de professores às suas decisões desastrosas. Algumas referências que poderiam e deveriam ser utilizadas, mas que são ignoradas pelos que determinam políticas públicas no Brasil são Oliveira (2018),1 Becskeházy (2018)2 e Crato (2020).3

O fato indiscutível é que o desejo de que, nos anos escolares, os filhos desenvolvam competências não-cognitivas não é exclusivo de pais e mães brasileiros. Há estudos robustos que mostram que pais e mães em outros países compartilham dessas mesmas preferências. Mostram também os efeitos dessas escolhas em diversas áreas: competências não cognitivas, como autocontrole, garra e tenacidade afetam fortemente a capacidade de alcançar objetivos de curto e longo prazo (Nichols, 2017)1. e são preditivas de persistência na faculdade, conclusão do Ensino Superior e sucesso educacional de modo geral (Carneiro et al., 2007; Heckman et al., 2006; Lleras, 2008; Mischel, Shoda e Peake, 1988 in Nichols, 2017 ). No mercado de trabalho, essas habilidades, que incluem habilidades interpessoais e hábitos de trabalho estão associadas a maior empregabilidade, melhores salários e produtividade no trabalho (Borghans, Ter Weel e Weinberg, 2008; Farkas, 2003; Heckman et al., 2006; Lleras, 2008 in Nichols, 2017).

Várias habilidades relacionadas à formação de caráter são preditivas de resultados relacionados à saúde em geral, incluindo a redução da taxa de gravidez na adolescência (Carneiro et al., 2007; Heckman et al., 2006 in Nichols, 2017). Na mesma linha, Moffitt et al. (2011, in Nichols, 2017) acompanharam 1.000 crianças desde o nascimento até os 32 anos, e mostraram que as habilidades não cognitivas, em particular o autocontrole, estavam associadas à saúde em geral. Além disso, a equipe acompanhou 500 pares de irmãos e descobriu que a redução das habilidades não cognitivas estava associada à piora no desempenho escolar e no comportamento social (Moffitt et al., 2011).

Seção II - Características de uma escola ideal

Mais uma vez destacamos que, assim como na Seção I, que trata dos objetivos a serem alcançados, na seção sobre a escola ideal, não são perguntadas as razões para as escolhas dos pais e mães. Embora nossa análise seja especulativa, sempre que possível, ela é baseada em evidências obtidas na literatura.

Inicialmente, é preciso destacar que, em relação às características da escola ideal, para nove temas (gestão, estratégia de ensino, foco do ensino, etc.), os pais e mães foram orientados a escolher uma entre três alternativas. Em seis temas, a alternativa mais valorizada pelos pais e mães de baixo e de alto nível socioeconômico foi a mesma. Além disso, nas comparações em que houve divergência na característica preferida, a característica menos valorizada foi a mesma. Ou seja, em nenhum tema houve total divergência entre as escolhas dos dois grupos. Seguem abaixo os diferentes temas e nossa análise.

1) Objetivo

À primeira vista, há uma pequena divergência entre os dois grupos de pais e mães, quanto às duas características mais votadas: ‘o ensino de uma profissão, aulas práticas para o mercado de trabalho’ (44% para NSE baixo e 39,6% para NSE alto) e ‘ensino direcionado para preparação para o Enem/vestibular’ (41,9% para NSE baixo e 43,6% para NSE alto). No entanto, se somarmos os percentuais de quem escolheu como objetivo mais importante da escola ideal ter o ‘ensino direcionado para preparação para o Enem/vestibular’ com a opção menos votada – ‘Estar entre as primeiras nos rankings de desempenho escolar’ – teremos um percentual maior do que aqueles que preferem ‘o ensino de uma profissão, aulas práticas para o mercado de trabalho’. Pais e mães de baixo NSE que escolhem uma das duas opções somam 56% dos pesquisados sobre a escola ideal. Os de NSE alto somam 60,4%.

E por que somar esses dois itens? Primeiro, porque quando avaliamos os objetivos dos pais e mães dos dois grupos, ‘Estar preparado para faculdade ao fim do Ensino Médio’ é mais importante que ‘Estar pronto para o mercado ao fim do Ensino Médio’. Segundo, porque, de modo geral, as escolas que estão no topo dos rankings de desempenho escolar são exatamente as mesmas que melhor preparam o estudante para acessar o ensino universitário.

Não se pode desprezar, no entanto, o percentual de famílias de baixo NSE que, dentre essas três opções, escolhe ‘o ensino de uma profissão, aulas práticas para o mercado de trabalho’: 44%. Considerando que essa é a preferência de tantos pais e mães e que há um descompasso entre o perfil da média dos egressos de universidades e as demandas do mercado, se houvesse vouchers escolares para escolas técnicas/profissionalizantes privadas, inovadoras, antenadas às necessidades do mercado, provavelmente, haveria menos evasão, mais jovens sendo capacitados e o mercado seria melhor atendido e mais produtivo.

2) Foco/prioridades de ensino

Nesse tema, os itens comparados são ‘Matérias ou aulas que tratem de cidadania’, liderança e diversidade’, ‘Matérias que tratem de ciência e tecnologia’ e ‘Aulas de arte, como música, dança, pintura, artesanato’. Há convergência entre os grupos de pais e mães quanto ao que é menos prioritário: ‘Aulas de arte, como música, dança, pintura, artesanato’. No entanto, este é um dos poucos temas em que existe divergência quanto às preferências. Para os pais e mães de baixo NSE, na escola ideal, o ensino deve priorizar ‘Matérias ou aulas que tratem de cidadania, liderança e diversidade’ e, para os pais e mães de NSE alto, o foco deve estar em ‘Matérias que tratem de ciência e tecnologia’.

Aparentemente, há uma contradição entre o objetivo destacado no tema anterior – ‘Estar preparado para faculdade ao fim do Ensino Médio’ e priorizar uma escola que foque em ‘Matérias ou aulas que tratem de cidadania’, liderança e diversidade’, como preferem os pais e mães de baixo NSE. No entanto, não se trata de desprezar a ciência, já que ‘Aprender a analisar argumentos, fatos e evidências’ está entre os objetivos de pais e mães de ambos os grupos, ainda que mais fortemente de pais e mães de NSE alto. Tampouco se trata de querer adiar o ensino da ciência ou de outros conteúdos que preparem o estudante para a faculdade, mas o de garantir que os pré-requisitos para a aprendizagem desses conteúdos sejam atendidos.

Para os mais pobres, a educação para os valores cívicos e que inspirem seus filhos a respeitar e a exercer posições de liderança é mais prioritário do que para os pais de NSE alto. Primeiramente, é preciso lembrar que os pais e mães de NSE baixo têm renda familiar de R$5.000 no máximo. Metade deles tem renda familiar de até R$2.000. Ou seja, trata-se de pessoas com dificuldades de atender às suas necessidades mais básicas. Nesse sentido, possivelmente, uma das razões que sustenta essa escolha educacional é a percepção de que seus filhos precisam acreditar que é possível romper o ciclo da pobreza e, mais do que isso, precisam aprender os caminhos corretos para atingir seu potencial como pessoa e como cidadão.

Além disso, o preconceito e o bullying tendem a minar a autoestima, o interesse e o engajamento do estudante, aumentando o absenteísmo. Ainda que estejamos falando de pais e mães de baixa escolaridade, a sua percepção sobre a importância de fortalecer a autoestima dos filhos para que eles não desistam está correta: dados do PISA 20181 mostram que os alunos que sofreram bullying com frequência foram mais propensos a faltar à escola e tiveram notas mais baixas em leitura. Mostram também que dentre os fatores positivamente associados à resiliência acadêmica incluem o apoio dos pais, um clima escolar positivo – falaremos sobre isso adiante – e uma mentalidade de crescimento. Possivelmente é justamente esse tipo de mentalidade – de ambição – que os pais desejam que a escola promova nos seus filhos através de aulas que tratem de cidadania, liderança e diversidade.

Ou seja, para os mais pobres, a escola ideal deve fortalecer a autoestima dos filhos e mostrar horizontes diversos daquele em que estão inseridos, desestimulando a evasão. Possivelmente pais e mães de NSE baixo julgam que tais ensinamentos são um pré-requisito sem o qual a aprendizagem de ciência e tecnologia – assim como de outros conhecimentos técnicos/acadêmicos – seria inviabilizada. Concluímos tratar-se de uma escolha pragmática e racional desses pais e mães: uma escola não pode ensinar a quem desiste de aprender, a quem não acredita que a educação possa representar um futuro seguro, a quem julga ter maiores chances de “sucesso” e valorização fora da escola. Estar preparado para faculdade ao fim do Ensino Médio pressupõe fazer o Ensino Médio até o fim; pressupõe que o estudante não se evada. Portanto, não se trata sequer de um trade-off, de abrir mão de algo para ter outra coisa mais importante. Trata-se de um claro exemplo da aplicação da hierarquia de necessidades de Maslow: as necessidades mais básicas precisam ser atendidas para que outras sejam viabilizadas.

A busca desses pais pelo fortalecimento da autoestima dos filhos é o oposto da vitimização. Embora crianças pobres precisem de mais suporte e resiliência para superar preconceitos e limitações contextuais, seus pais entendem que cabe a seus filhos a maior parte da responsabilidade por romper esse ciclo. Tal percepção aparece na pesquisa quando pais e mães desse grupo dizem que o sucesso depende mais de assiduidade e do esforço dos seus filhos (59,8%) do que da qualidade da escola (40,2%). Ou seja, ainda que desejem uma escola que apoie, no que se refere ao sucesso educacional dos seus filhos, pais e mães pobres veem o protagonismo dos seus filhos como maior do que o da escola – uma postura bastante distante do vitimismo apregoado por elites que se propõem a falar por essas pessoas. Pais e mães pobres têm consciência do que cabe a seus filhos conquistar com responsabilidade individual e resiliência. Possivelmente, essa é uma das razões pelas quais a responsabilidade pessoal e a resiliência são valores cuja aprendizagem é extremamente desejada por eles.

O sucesso do seu filho ou filha depende mais:

Gainioz blog

IDados Consultoria

Há evidências de que pais e mães pobres de outros países agem de maneira bem semelhante. A preocupação com a evasão – mesmo sendo esse problema muito menos grave do que no Brasil1 – é evidente. Na hora de escolher uma escola, os pais e mães de baixa renda, assim como os pais e mães não brancos e não asiáticos, valorizam mais do que os pais e mães de renda mais alta e os pais e mães brancos, escolas em que a taxa de conclusão do Ensino Médio é mais alta. O mesmo vale para a taxa de alunos que conseguem entrar em uma universidade (Kelly & Scafidi, 2013)2. Eles sabem que seus filhos são estatisticamente menos propensos a concluir o Ensino Médio e frequentar uma faculdade. Por isso, estão dispostos a buscar uma escola que os ajude a romper com esse padrão.

Vemos, portanto, que, no que se refere à educação dos filhos, as ambições de pais e mães pobres, pertencentes a minorias estigmatizadas e que tiveram pouco acesso à educação formal, no Brasil e nos Estados Unidos têm muito em comum. No entanto, será que isso significa que, do ponto de vista da efetividade das escolhas, esses pais e mães acertam? Onde existe liberdade de escolha educacional, existem evidências de que pais e mães pobres alcançam seus objetivos de diminuir o absenteísmo e aumentar a taxa de conclusão do Ensino Médio? O que a literatura diz sobre isso?

Webber et al (2019)1 mostram que isso foi exatamente o que se observou sobre o Opportunity Scholarship Program (OSP), de Washington D.C., programa americano que fornece vouchers para famílias de baixa renda para que seus filhos possam estudar em escolas privadas. Para determinar a eficácia do OSP, foi realizado um experimento – considerado o “padrão ouro” da metodologia de avaliação – que comparou os resultados de dois grupos. Foram feitos sorteios para conceder os vouchers aleatoriamente aos candidatos. O grupo de tratamento era composto por alunos que se candidataram a um voucher, mas não foram sorteados. A randomização ajudou a garantir que os dois grupos comparados fossem realmente semelhantes no momento da inscrição no OSP e que a única diferença que poderia influenciar os resultados era se os candidatos estavam frequentando a escola escolhida pelos pais e mães – o que só foi possível para os sorteados.

Alguns resultados estatisticamente significativos, obtidos após três anos de acompanhamento:

• O absenteísmo crônico afetou menos os alunos que usavam o voucher na escola escolhida do que aqueles que, sem os vouchers, frequentavam a escola pública conforme o seu endereço.
• O impacto na diminuição do absenteísmo foi mais relevante para os estudantes mais velhos e com baixo nível de aprendizagem – ou seja, exatamente aqueles com maior risco de evadir.
• A percepção de segurança na escola era maior dentre os alunos que usavam o voucher na escola escolhida do que dentre os que não foram sorteados e que, sem os vouchers, frequentavam a escola pública conforme o seu endereço.

Tais resultados indicam não apenas a convergência de objetivos entre pais e mães pobres de países diferentes, mas também a racionalidade das escolhas pais e mães brasileiros visando o atingimento dos seus objetivos.

3) Estratégias diretas de ensino

Ambos os grupos de pais e mães preferem ‘aulas práticas, através de projetos’. Possivelmente, eles percebem o baixo nível de interesse e de concentração dos seus filhos. Relacionado a esse fator, considerando o nível de indisciplina predominante nas salas de aulas, possivelmente pais e mães julgam virtualmente impossível que professores, em sua maioria, consigam ensinar através de instrução direta. A segunda opção mais votada, ‘Ensino reforçado de matemática e português’, é mais valorizada pelos pais e mães de baixo NSE (43,9%) do que pelos de NSE alto (37,3%). Pais e mães pobres sabem que seus filhos só têm a escola para lhes ensinar essas disciplinas e, possivelmente, mesmo aqueles que optaram pelas aulas práticas, têm em mente projetos que reforcem o aprendizado de matemática e português. Não se trata de opções incompatíveis entre si.

4) Estratégias indiretas de ensino

O percentual de pais e mães dos dois grupos que julgam que a escola ideal deve ter 'aulas em tempo integral (manhã e tarde)' é praticamente idêntico: 47,5% (baixo NSE) e 47,3% (alto NSE). Tal escolha parece incoerente considerando que, em outra parte da pesquisa *, ao escolherem até três opções dentre oito fatores que influenciam o sucesso escolar, apenas 13,4% dos pais e mães de NSE baixo e 9,7% dos pais e mães de NSE alto escolhem o fator ‘Tempo na escola’. Mais uma vez, os pais e mães demonstram entender melhor o que realmente importa quando a questão é aprendizado: não é o tempo passado na escola, mas a maneira como esse tempo é empregado. Há evidências robustas de que o que tem forte correlação com as notas dos alunos é o tempo gasto com qualidade pelo professor, em tarefas de ensino. As correlações entre as notas obtidas pelos estudantes e o número total de horas gastas na escola são muito mais frágeis1 (Oliveira, 2019). O item seguinte, que analisa as preferências dos pais e mães no tema ‘Estratégias de apoio ao ensino,’ traz luz sobre essa escolha aparentemente discrepante.

5) Estratégias de apoio ao ensino

Embora não haja uma explicitação sobre que tipo de atividades deveriam acontecer no contraturno, na escola ideal – que oferece ‘aulas em tempo integral (manhã e tarde)' – as escolhas referentes a este tema nos dão algumas dicas. Vemos que 54,1% dos pais e mães pobres dizem que a escola ideal deve oferecer ‘Aulas de reforço para alunos com dificuldade de aprendizado’. Considerando-se que trata-se de aulas de reforço (supostamente ao que é dado no tempo “normal” de aula), provavelmente é isso que eles desejam que aconteça no contraturno. Tal suposição é reforçada nessa pesquisa, que compara cinco características de uma escola ideal. Os pais e mães foram orientados a escolher duas prioridades entre cinco alternativas. Para 48,1% dos pais e mães de NSE baixo, uma escola ideal oferece 'reforço para alunos com dificuldade'. Vale lembrar que 69% dos pais e mães de NSE baixo possuem no máximo o Ensino Médio completo, o que limita sua capacidade de atender os filhos com dificuldades de aprendizado. Além do mais, via de regra, essas famílias têm menos acesso a livros e internet; ou seja, é apenas na escola que seus filhos conseguem o ensino dos conteúdos curriculares. Sendo assim, na condição de que o tempo no contraturno seja empregado em aulas de reforço, sim, a escola em tempo integral é desejada.

Já para 42,8% dos pais e mães de NSE alto, as estratégias de apoio ao ensino preferidas são ‘Atividades extracurriculares, como esporte, teatro, ações comunitárias’. Possivelmente essa escolha está relacionada ao fato de que a oferta dessas atividades na escola apenas substituiria de maneira concentrada em um mesmo local – logo, mais cômoda – as atividades que seus filhos já fazem no contraturno em locais diversos. Ademais, 72,4% desses pais e mães possuem ensino superior completo, o que lhes permitiria prover algum tipo de suporte aos filhos com dificuldade de aprendizado ou mesmo contratar aulas extra de reforço. Por fim, mas não menos importante, trata-se de pais e mães cujos filhos, via de regra, têm menos defasagem de aprendizado; logo precisam menos de aulas de reforço.

6) Formação para a vida

Um expressivo percentual de pais e mães de ambos os grupos (53% para os de NSE baixo e 50,8% para os de NSE alto), defendem que a escola ideal deve ‘Contribuir para a formação de caráter, ética e/ou moral dos alunos’. Está aí portanto a confirmação dos principais objetivos a ser garantidos ao longo da trajetória escolar, visando o sucesso no futuro: ‘habilidades socioemocionais como empatia, cooperação e respeito’, ‘Aprender bons hábitos de estudo’ e ‘Sempre querer aprender mais’.

A escola ideal, então, ensina valores normalmente mais associados ao conservadorismo1, como a disciplina, a resiliência, a responsabilidade individual, a ambição por mais e mais conhecimento. Não estamos falando, portanto, de escolas onde ao aluno é permitido fazer o que quer e, muito menos, agir com violência. Pais e mães de ambos os grupos querem ordem. Talvez essa preferência explique o interesse despertado nos pais e mães brasileiros pelo modelo de escolas cívico-militares. Segundo o balanço divulgado em conjunto pelo MEC e pelo MCTI2 no final de 2022, o programa alcançou uma redução de 82% na violência física e de 75% na violência verbal. A evasão e o abandono escolar caíram cerca de 80% e as escolas que tinham índices baixos no Ideb, começaram a apresentar índices melhores.

Na escola ideal para pais e mães de ambos os grupos, valoriza-se o caráter e o respeito de todos às regras – conceitos relacionados à ética e à moral. Tanto é assim, que o segundo item mais votado pelos dois grupos de pais e mães (39,4% dos de NSE baixo e 40,8% dos de NSE alto), é ‘Trabalhar habilidades como pontualidade, organização e responsabilidade’. Se somarmos o percentual dos que escolheram esse item com o dos que escolheram ‘Contribuir para a formação de caráter, ética e/ou moral dos alunos’, teremos 92,4% dos pais e mães de NSE baixo e 91,6% dos pais e mães de NSE alto.

Vale destacar que, ainda que entendamos que dificilmente a escola sozinha conseguirá garantir o ensino da educação moral, do respeito, do fortalecimento de caráter e da disciplina – que deveria ser de responsabilidade principalmente dos pais e mães – o fato indiscutível é que pais e mães valorizam esses ensinamentos e entendem que o futuro dos seus filhos depende do quanto esse aprendizado se dá enquanto eles estão em idade escolar. E, nesse sentido, a construção de uma cultura escolar que enfatize esses valores pode representar um avanço significativo.

De fato, a cultura escolar que promove o desenvolvimento dessas habilidades, não apenas viabiliza o aprendizado de conteúdo curricular, como também contribui para a quebra do ciclo de pobreza em que muitos estudantes estão inseridos. É o que se vê nas escolas cuja cultura é informalmente chamada de "No excuses" – sem desculpas – em bairros onde predominam pessoas pobres e pertencentes a minorias étnicas em cidades como Nova Iorque e Londres. Os efeitos transformadores nas vidas dessas crianças são descritos nos livros 'How the Other Half Learns', de Robert Pondiscio, 'Charter Schools and Their Enemies', de Thomas Sowell e 'Michaela: The Power of Culture, de Katharine Birbalsingh.

Na verdade, o aprendizado dessas habilidades não precisa – não deve – se dar separadamente do aprendizado de conteúdo técnico/acadêmico e sim, integrado a ele. O rigor acadêmico e disciplinar, estabelecidos e cumpridos através de regras claras, transmitem valores como honestidade, integridade, empatia, respeito, cooperação, responsabilidade individual, autocontrole, que podem e devem ser cobrados dos alunos na execução de todas as tarefas e não isoladamente em atividades especificamente focadas no aprendizado dessas habilidades.

É o que defendem também Jal Mehta e Frederick Hess1,

"Por que precisamos chamar isso de “aprendizado socioemocional”? (...) Ao chamar essas habilidades de uma forma de ‘aprendizado’, foi assim legitimado seu status. Previsivelmente, o que se seguiu foram demandas para que se construíssem padrões para o aprendizado social e emocional, e avaliações que medissem o aprendizado conforme esses padrões. Em outras palavras, algo que antes fazia parte da tarefa de criar filhos, compartilhada entre famílias e escolas, agora se tornou um domínio próprio – com um jargão, organizações de defesa, financiamento, padrões e avaliações"

7) Gestão I
O tema Gestão foi dividido em Gestão I, II e III. Em Gestão I, temos como escolha principal dos pais e mães de ambos os grupos, a ‘Atenção ao bem-estar do aluno (acolhimento, amparo)’. Este tema complementa o anterior no sentido em que explora os aspectos da gestão visando o desenvolvimento de um clima escolar que permita que a formação para a vida, desejada pelos pais e mães, se dê nas salas de aulas.

“Um clima escolar positivo é uma daquelas coisas difíceis de definir e medir, mas todos o reconhecem quando o veem. Os alunos apreciam um ambiente escolar onde o bullying é incomum, onde os alunos não se sentem deslocados e onde estabelecer relacionamentos genuínos e respeitosos com os professores é a norma. O PISA 2018 mostra que o clima escolar está intimamente associado à sensação de bem-estar dos alunos.” (Schleicher, 2019)1

Embora a questão da violência e da indisciplina não estejam explícitas, é disso que se trata. ‘Clima escolar’ é o termo rotineiramente usado em discussões sobre políticas educacionais para se referir à segurança, à ordem e à cordialidade do ambiente escolar. Indisciplina e violência na escola não foram abordadas explicitamente na nossa pesquisa porque julgou-se que o repúdio a ambas seria unânime e, ao colocá-las em comparação a outros critérios, poderia-se perder a capacidade de avaliar a importância das outras alternativas. Mas, o fato é que, nesses aspectos – indisciplina e violência na escola – a realidade mostra claramente que há problemas.

Um ambiente escolar não acolhedor e que não garante o bem-estar físico e emocional dos estudantes inviabiliza o ensino e o aprendizado de qualidade. Pais e mães de ambos os grupos – e arriscamos dizer, professores também – sabem disso. As respostas a este tema confirmam as preferências expressas no tema anterior (Formação para a vida). Ao eleger o bem-estar do aluno como absolutamente prioritário, pais e mães – ainda que pouco escolarizados – reconhecem a importância do bom clima escolar para o aprendizado dos seus filhos. O bom clima escolar é uma precondição para o aprendizado de todos os conteúdos, habilidades e valores considerados prioritários por ambos os grupos de pais, como respeito, empatia, formação de caráter, responsabilidade individual, ambição por aprender mais. E, efetivamente, existe uma correlação entre a melhora desses resultados e regras mais rígidas de comportamento (Nichols, 2017).1

Dados do PISA 20181 mostram que o nível de disciplina nas aulas de língua de instrução – no nosso caso, aulas de Língua Portuguesa – é um dos preditores mais fortes do desempenho da leitura. Em todos os países e economias, os alunos que relataram menos problemas disciplinares em suas aulas de língua de instrução tiveram melhor desempenho em leitura, mesmo após contabilizar o perfil socioeconômico dos alunos e das escolas. Essa diferença chega a 25 pontos no PISA quando a indisciplina os impede de prestar atenção e aprender com eficácia em todas ou na maioria das aulas do idioma de instrução. Mesmo problemas disciplinares ocasionais foram negativamente associados ao desempenho de leitura. Alunos que relataram que problemas disciplinares ocorrem em algumas aulas de linguagem de instrução obtiveram entre 5 e 9 pontos a menos.

Esta é aliás uma das razões por que estudantes brasileiros se saem mal no PISA: o nível de indisciplina é altíssimo. Segundo a pesquisa TALIS 2018, para 54,9% dos professores do Ensino Fundamental 2,1 manter a disciplina dentro da escola é fonte de bastante (34,1%) ou muito (20,8%) estresse. Não é diferente para os professores do Ensino Médio:2 50% consideram que manter a disciplina dentro da escola é fonte de bastante (31,2%) ou muito (18,8%) estresse. Além da dificuldade dos professores de conseguir a atenção dos alunos, pesquisa do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio (INEP)3 com diretores de escolas mostra um quadro pouco auspicioso: 35% dos diretores de escolas públicas e 4% dos diretores de escolas privadas (não 28%) apontaram a intimidação ou o bullying entre os alunos do Ensino Fundamental 2, como situação que ocorre semanal ou diariamente.

E fica pior. Uma pesquisa1 feita pelo Instituto Locomotiva em parceria com o Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) mostra que 69% dos estudantes consideram haver um nível médio ou alto de violência nas escolas estaduais do estado de São Paulo. Entre os professores, esse percentual é de 68% e, quando os familiares dos alunos respondem, o índice chega a 75%. Segundo a mesma pesquisa, 41% dos alunos não se sentem seguros no entorno das escolas e 26% não se sentem seguros dentro das escolas. 71% dos estudantes e 73% dos seus familiares afirmaram ter conhecimento de casos de violência em suas escolas. Embora os números assombrosos dessa pesquisa não necessariamente reflitam a realidade nacional, eles confirmam a preferência expressa pelos pais e mães na nossa pesquisa – nacionalmente representativa – quanto à necessidade de ‘Atenção ao bem-estar do aluno (acolhimento, amparo)’.

E os pais e mães brasileiros não estão sozinhos na sua preocupação com a questão disciplinar. Segundo Schleicher ( 2019),1 para pais e mães em diferentes sistemas educacionais, um ambiente escolar seguro está entre os critérios mais importantes na hora de escolher uma escola.

É o que mostram também diversos estudos nos Estados Unidos, como o de Stewart & Wolf (2014):

“Em seu primeiro ano de participação no OSP1, conforme observado, os pais e mães mencionavam a segurança como sua principal consideração na escolha de uma escola para seu filho. Em cada grupo focal inicial de pais e mães que facilitamos, incluindo aqueles em espanhol e independentemente de a sessão envolver os pais e mães de alunos do Ensino Fundamental 1, Ensino Fundamental 2 ou Ensino Médio, a segurança da escola era a mais citada pelos pais e mães como critério de escolha escolar número um. Quando perguntados que característica da escola era mais importante para eles, muitos pais e mães simplesmente declaravam ‘segurança’ e paravam por aí. (...) Além da segurança, algumas famílias colocaram uma forte ênfase no ambiente moral da escola.” (Stewart & Wolf, 2014, p. 53)2.

Critérios bastante semelhantes estão descritos por Kelly e Scafidi (2013)1: assim como para os pais e mães brasileiros, para os pais e mães americanos pesquisados, fatores relacionados ao clima escolar e ao controle da indisciplina na sala de aula também são os mais importantes. O estudo mostra que no topo da lista de critérios para a escolha da escola, para mais de 85% dos pais e mães pesquisados, está um melhor ambiente escolar para seus filhos; para 61,7%, ‘alunos mais disciplinados’ e para 52,9%, ‘melhor segurança para os filhos’.

Por fim, outros estudos trazem resultados semelhantes em relação a critérios de escolha: melhor ambiente escolar (Catt & Rhinesmith, 2016)1, segurança escolar (Stewart et al., 20092) e instrução religiosa ou moral (Catt & Rhinesmith, 20163; Kelly & Scafidi, 20134; Stewart et al., 20095).

Ou seja, a literatura traz amplo suporte à racionalidade da maioria dos pais e mães brasileiros, que consideram que o bem-estar dos alunos, que depende de um clima escolar ordeiro e respeitoso, é absolutamente prioritário. Também eles parecem intuir que essa característica da escola, além de constituir um pré-requisito para que o aprendizado seja concretizado, está diretamente ligada à redução de evasão escolar e ao aumento da escolaridade.

8) ‘Gestão II’

Nesse tema, com percentual de votos bastante semelhante, o critério preferido por ambos os grupos para a escola ideal é ‘atender alunos de diferentes origens sociais, raciais e religiosas’. Evidentemente, a escola ideal para qualquer pai e mãe é uma que atende seus filhos sem preconceitos contra o que eles são ou creem. Claramente, este tema de Gestão também visa garantir um bom clima escolar, onde haja respeito e empatia.

Reconhecendo que a pobreza e o racismo são problemas reais no Brasil e que a intolerância religiosa – que não se limita às chamadas "religiões de matriz africana" – ainda permeia a sociedade, é bastante auspicioso ver que esse critério esteja igualmente em destaque no que se refere à gestão escolar para ambos os grupos de pais e mães. Para eles, a escola ideal inclui igualmente a todos.

Conforme evidenciado na seção I da nossa pesquisa, pais e mães têm, de modo geral, os mesmos objetivos para o futuro dos seus filhos, qualquer que seja seu nível socioeconômico. Mais do que tolerar quem é diverso, pais e mães de ambos os grupos desejam que seus filhos respeitem, tenham empatia e trabalhem bem com pessoas diversas. Vale lembrar que ter empatia significa ser capaz de se colocar no lugar de outra pessoa, buscando agir ou pensar da forma como ela agiria ou pensaria. Empatia significa, portanto, o oposto de abordagens pseudo-pedagógicas que fomentam percepções de uma sociedade binária, composta por opressores contra oprimidos, onde um ganha quando o outro perde, em um jogo de soma zero.

Para pais e mães de ambos os grupos, a escola ideal garante o atendimento com excelência a todos os estudantes, independentemente do seu perfil social, étnico-racial ou religioso. Escolas bem geridas não provêm serviços de qualidade diferente conforme o perfil do estudante e as regras se aplicam igualmente a todos. Podemos concluir além: o currículo é igualmente exigente e professores têm expectativas de aprendizagem igualmente ambiciosas para todos os estudantes.

Em relação a esse tema, é importante destacar que existe outro preconceito relacionado à possibilidade de fazer escolhas educacionais: permitir escolhas supostamente levaria à “balcanização” da educação. Conforme esse argumento, pais e mães de NSE médio-alto escolheriam escolas que mantivessem seus filhos separados dos filhos de famílias de baixo NSE e/ou de familías pretas e pardas, agravando a segregação racial e socioeconômica. Supostamente, tais escolhas contribuiriam para uma crescente falta de empatia e respeito, e, no limite, impediriam a coesão social.

Tal visão é plenamente refutada diante do fato de que para ambos os grupos de pais e mães, este é o critério mais desejado no tema Gestão II. Nossa pesquisa mostra que pais e mães buscam escolas inclusivas e onde os pares dos seus filhos compartilhem de valores como caráter, empatia, respeito, disciplina e ordem, independentemente de sua origem social, da sua raça ou da sua religião.

Por fim, vale destacar que ‘diversidade’ não se resume a questões exteriores, visíveis. ‘Diversidade’ é definido como a representação de todas as identidades e diferenças variadas (raça, etnia, gênero, deficiência, orientação sexual, identidade de gênero, origem nacional, tribo, casta, status socioeconômico, estilos de pensamento e de comunicação, etc.), coletivamente e como indivíduos. Diante da realidade de que indivíduos diferem principalmente quanto ao que pensam e são, diante da hegemonia conceitual e ideológica imposta nos cursos de formação docente e diante da imposição a todas as escola da nossa BNCC, que foca prioritariamente nos aspectos externos da diversidade, destacamos em itálico acima os aspectos que de fato nos tornam diversos. Nossa visão de que o que nos une universalmente como seres humanos e o que nos difere como indivíduos parece convergir para o que pais e mães brasileiros buscam na escola ideal.

9) Gestão III

Nesse tema vemos que a escola ideal para ambos os grupos de pais e mães, de forma quase idêntica (67,5% dos pais e mães de NSE baixo e 66,8% dos de NSE alto) tem ‘Boa infraestrutura (sala de aula arejada e equipada, computadores etc.).’ Mais uma vez fica claro que pais e mães de NSE baixo são tão ambiciosos quanto os de NSE alto no que se refere à saúde, ao bem-estar físico e ao aprendizado dos seus filhos.

Características da escola ideal – Porcentagem de resposta em cada item em cada tema

Gainioz blog

IDados Consultoria

Outras comparações entre pais e mães de NSE diferentes

Quando os pais e mães podem escolher duas dentre cinco características relativas a temas diferentes, mais uma vez, não há grandes divergências entre os dois grupos. ‘Trabalhar competências pessoais’ é a primeira mais votada por ambos os grupos. e ‘Atenção ao bem-estar' é muito importante para ambos os grupos. E, assim como a opção mais votada, a menos votada é a mesma para ambos os grupos de pais e mães: ‘Localização’. Isso é interessante porque um outro argumento que se coloca contra a liberdade de escolha da escola pelas famílias de baixa renda é o de que os pais e mães sempre vão preferir a escola que for mais próxima, independentemente da sua qualidade. Sendo assim, poderia-se considerar que seria desnecessário dar escolhas já que, de modo geral, haverá uma escola pública próxima. Nossa pesquisa refuta essa hipótese e mostra que, para todos os pais e mães, os critérios que impactam nos objetivos que eles esperam para o futuro dos seus filhos são mais importantes.

Características da escola ideal (%)

Gainioz blog

IDados Consultoria

Finalmente, quando instados a escolher dentre oito fatores, os três que influenciam o sucesso escolar, pais e mães fazem as seguintes escolhas: para mais da metade dos pais e mães de ambos os grupos, o mais importante dentre as opções é ‘Professores’. Em seguida, em ordem invertida para os dois grupos, mas com percentuais bem parecidos, vêm o ‘Envolvimento da família’ e o ‘Esforço do aluno’. Interessante notar que o fator ‘Tempo na escola’ é escolhido por apenas 13,4% dos pais e mães de NSE baixo e 9,7% dos pais e mães de NSE alto. Pais e mães parecem reconhecer que sem professores de qualidade, sem envolvimento das famílias e sem o esforço dos alunos, em termos de sucesso escolar, pouco importa que seus filhos fiquem o dia inteiro na escola.

Fatores que influenciam o sucesso escolar (%)

Gainioz blog

IDados Consultoria

Sim, no que se refere a escolhas visando o sucesso dos seus filhos na escola, pais e mães são mais sensatos do que muitos daqueles responsáveis por desenvolver políticas educacionais públicas. E há evidências robustas sobre isso. Em países onde pais e mães pobres conseguem matricular seus filhos na escola que melhor atende os seus critérios, é possível avaliar os resultados dessas escolhas. Seguem abaixo, alguns exemplos.

Estudos sobre efeitos de escolhas escolares

Beuermann e Jackson (2018)1 têm um estudo conduzido em Barbados exatamente sobre essa questão. Eles mostram que pais e mães valorizam um bom clima escolar entre os estudantes e, consequentemente, boas companhias para seus filhos. E, ainda que, na média, as escolas escolhidas por esses pais e mães nem sempre trouxessem para seus filhos melhor pontuação em exames, as escolhas haviam sido acertadas.

O estudo mostra que, no longo prazo, os estudantes dessas mesmas escolas têm maior taxa de conclusão do Ensino Médio e melhor nível de bem estar quando adultos, considerando o nível de escolaridade, o status ocupacional, ganhos salariais e saúde. As melhores condições de saúde dessas pessoas se devem à criação de hábitos e atitudes saudáveis, incentivados pelo ambiente. O estudo mostra também que esses benefícios de longo prazo são maiores para mulheres, inclusive com redução da taxa de gravidez na adolescência. Os autores sugerem que meninas que frequentam escolas em que se estabelecem boas relações sociais têm mais facilidade de encontrar e manter um trabalho e tendem a adiar a maternidade.

Um estudo da Universidade de Stanford (Bettinger et al., 2019)1 sobre efeitos dos vouchers ao longo de 20 anos na Colômbia mostra que estudantes sorteados para estudar com vouchers em escolas vocacionais privadas escolhidas por seus pais – de baixo NSE – foram fortemente impactados. Dentre os efeitos destacam-se maiores chances de concluir o Ensino Médio na idade certa, de sair da pobreza e alcançar renda classificada como de classe média até os 33 anos, morar em regiões menos pobres da cidade, de conseguir financiar um carro e de não ter um filho na adolescência. Tudo isso com menos gastos públicos enquanto ele está na escola e maior arrecadação depois que ele conclui.

Em relação aos efeitos de escolhas baseadas no critério da segurança, temos o estudo de Shakeel e DeAngelis (2018)1, que mostra que um ambiente escolar seguro é essencial para uma aprendizagem eficaz e para a inculcação de valores cívicos.

Um estudo focado exclusivamente em atividades criminosas de adultos e nos processos de paternidade, DeAngelis e Wolf (2019)1 examinam os efeitos das escolhas dos pais e mães pobres através do programa de vouchers escolares de Milwaukee, nos Estados Unidos. Os efeitos encontrados são uma redução de cerca de 53% nas condenações por drogas, 86% nas condenações por danos materiais e 38% nos processos de paternidade. Os maiores beneficiados tendem a ser os alunos do sexo masculino com níveis mais baixos de desempenho acadêmico.

Há também uma ampla e robusta metanálise de Hitt, McShane & Wolf (2018)1, que evidencia que a escolha dos pais e mães baseada em critérios não imediatamente mensuráveis têm resultados importantes. A pesquisa deles mostra que há um número cada vez maior de estudos que comprovam que, independentemente de terem ou não impacto em exames escolares, programas de escolha educacional trazem benefícios não cognitivos de longo prazo extremamente valorizados por pais e mães. Dentre eles estão o aumento da taxa de conclusão do Ensino Médio e de acesso ao ensino universitário, além de maiores ganhos salariais.

Por fim, em uma meta-análise sobre os efeitos da competição entre escolas quando há políticas de escolha da escola, Jabbar et al. (2019)1 afirmam que há evidências de que a competição escolar pode ter uma influência maior sobre o desempenho dos alunos pertencentes a minorias. “Isso é consistente com alegações dos defensores de que a escolha pode melhorar as oportunidades educacionais particularmente para alunos marginalizados, não apenas para aqueles que escolhem, mas também para aqueles “deixados para trás” nas escolas públicas tradicionais.” (Jabbar et al., 2019, p. 24).

Considerações finais

Sabemos que em relação a pesquisas como a nossa, existe uma justa preocupação sobre preferências declaradas. Tais escolhas são efetivamente suscetíveis ao viés de desejabilidade social; por exemplo, os pais e mães podem sentir que deveriam se preocupar com uma determinada característica da escola quando, na realidade, no momento em que efetivamente fazem escolhas, quando concretizam suas decisões, podem não considerá-las. Há, no entanto, estudos que consideram as preferências reveladas dos pais e mães (Lincove et al., 20161 e Trivitt & Wolf, 20112), observando as características de escolas onde eles realmente matriculam seus filhos. Esses estudos mostram que parece haver diferenças relativamente insignificantes entre as preferências declaradas e as que são efetivamente concretizadas.

Evidentemente, o mercado pode auxiliar estudantes e suas famílias a fazer essas escolhas. Alguns sites reúnem informações relevantes sobre escolas como, por exemplo, os programas oferecidos, a capacitação dos professores, a taxa de conclusão dos cursos, o número de alunos por sala de aula, depoimentos de ex-alunos, dentre outras informações. Já são populares nos Estados Unidos, o Great Schools1 e o Find You Your Niche2. Além de exames, a iniciativa privada oferece também certificação. Empresas certificadoras educacionais privadas, que já atuam em vários países, auxiliam as famílias na escolha de escolas que sejam adequadas aos seus interesses. Além dessas, há empresas como a Niit Ltda3, estabelecida na Índia em 1981, que oferece o desenvolvimento de currículos, treinamentos e já tem seu próprio sistema de avaliação para empresas e indivíduos em diversos países. Como no caso das agências certificadoras, a legitimação da sua chancela não é dada pelo Estado, e sim, pelo mercado.

Ademais, como mostra a nossa pesquisa, as considerações dos pais e mães quanto à escolha da escola vão além de resultados em exames. Elas incluem clima escolar, segurança, apoio aos alunos com dificuldade, valores da escola, juntamente com uma série de outras preocupações. Como cada um desses aspectos encapsula vários fatores, provavelmente, pais e mães têm maiores chances do que burocratas de escolher uma escola que atenda a essas considerações e leve a uma maior possibilidade de resultados desejáveis.

Não há, portanto, qualquer justificativa ética, racional ou pragmática para a manutenção de políticas públicas que impeçam escolhas educacionais dos pais e mães. Permitir que utilizem, no provedor educacional de sua escolha, os recursos que já cabem aos seus filhos em escolas públicas não é uma medida irracional ou arriscada. Há evidências de que pais e mães têm melhores critérios e mais interesse em fazer escolhas fundamentadas e sensatas para o bem dos seus filhos do que um pequeno grupo de burocratas supostamente iluminados. Ainda mais porque sabemos ser eles sempre pressionados por grupos de interesse. Além disso, evidentemente, no caso do Brasil, a hipótese de os resultados de escolhas serem piores do que os resultados que já temos é remotíssima.

Em relação a perspectivas futuras, vale destacar que iniciativas pedagogicamente disruptivas que vêm sendo implementadas fora do âmbito das escolas tradicionais têm atendido com eficiência os pré-requisitos para a construção de conhecimentos necessários para o mercado de trabalho e para o acesso ao Ensino Superior. Certamente, se houvesse liberdade educacional ampla no Brasil, não apenas no sentido de usar os recursos que hoje são destinados exclusivamente a escolas públicas, mas também liberdade curricular, haveria muito mais diversidade de escolas, o que certamente beneficiaria os estudantes e ao mercado educacional como um todo.

Além disso, já existe tecnologia capaz de atender à demanda dos pais e mães, principalmente aqueles de baixo nível socioeconômico, por aulas de reforço que resgatem aqueles que ficaram "para trás”, com defasagem de aprendizagem. Trata-se de softwares de aprendizagem adaptativa, que usam inteligência artificial e gamificação para atender às necessidades de aprendizagem individuais de cada aluno, no seu ritmo, ao mesmo tempo em que permitem que o professor identifique as lacunas que precisam de maior foco.

Finalmente, a escolha de uma escola para crianças e jovens pobres não está limitada àqueles que podem usar na escola privada escolhida, os recursos que lhes cabem para uso na escola pública, através de sistemas de vouchers, por exemplo. Em lugares muitos pobres, mesmo naqueles afetados por conflitos, como Serra Leoa, Sudão do Sul e Libéria, um mercado de escolas livres de interferência estatal oferece opções acessíveis aos mais pobres e servem a esse público mais eficientemente do que as escolas controladas pelo Estado (Tooley, 2020)1 e (Longfield & Tooley, 20172). Conforme mencionado na Introdução desta análise, pais e mães extremamente pobres escolhem pagar por uma escola privada (de baixo custo), ao invés de manter seus filhos em uma escola pública que não atende aos seus critérios. Pais e mães entrevistados por Tooley revelam que uma das razões para isso é exatamente poder cobrar pelos serviços. Eles sabem que é para eles que essas escolas devem prestar contas e não para um órgão estatal distante, onde pessoas desinteressadas ou incapazes não têm nada a perder caso o serviço prestado não seja adequado.

Nesse sentido, ainda que sistemas de vouchers representem um avanço em relação às oportunidades que ora existem no Brasil para famílias de baixo NSE escolherem uma escola, poderíamos ir mais longe. Uma grande disrupção educacional viria através de um mercado de escolas não financiadas pelo Estado e não necessariamente chanceladas por ele, livres de imposições curriculares e regulamentações que as impedissem de prover os serviços demandados pelas famílias. Lamentavelmente, a exigência de uma certificação estatal para escolas privadas e para seus professores ainda é um fator limitante para o avanço educacional no Brasil.

Um livre mercado educacional, onde pais e mães poderão fazer suas escolhas e cobrar pela qualidade do serviço que contratam, é parte essencial para avançarmos em direção a um futuro próspero, construído e compartilhado por indivíduos educados e livres.