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Vouchers e gravidez na adolescência: o poder de escolher

Em recente editorial, a Gazeta do Povo defendeu tratar adolescentes como sujeitos pensantes em relação a políticas de enfrentamento de mazelas como a gravidez na adolescência. Concordo e vou além na defesa do direito de escolher. De maneira geral, pais e mães não desejam que uma gravidez na adolescência se interponha no caminho dos seus filhos, mas, baseados em seus valores, divergem sobre como evitar que isso se dê. Escolas — sem a interferência do Estado — podem ajudar nesse direcionamento, mas como famílias diversas têm valores e posicionamentos diferentes a esse respeito, escolas também devem ser diversas. Falarei aqui como o poder fazer escolhas educacionais através de vouchers impacta nas escolhas que os jovens fazem sobre seu futuro.

Primeiramente, é preciso reconhecer que no Brasil de hoje, principalmente nos meios urbanos, uma gravidez indesejada entre jovens de 15 a 17 anos dá-se por escolha de correr o risco e não por falta de informação. Em 1995, Thomas Sowell já destacava que o objetivo do uso do termo “epidemia” de gravidez na adolescência era tratar as consequências de uma escolha como se fossem uma doença que as pessoas pegam por estar no lugar errado na hora errada. Para Sowell, lidava-se com o problema desta forma porque aludir à responsabilidade pessoal ameaçaria o poder dos ‘ungidos’ — intelectuais e burocratas do Estado — sobre uma sociedade de ‘ignorantes que precisam de sua proteção’.

Por outro lado, Sowell não ignora que padrões de comportamento são frequentemente  determinados por incentivos inerentes às circunstâncias. Por exemplo, em que circunstâncias tantos adolescentes escolhem correr o risco de uma gravidez indesejada? Que incentivos há para que eles escolham garantir, entre outros objetivos, a conclusão do Ensino Básico? Que incentivos tem uma jovem pobre e semi-analfabeta de concluir o Ensino Médio em uma escola cujos professores passam metade da aula tentando ser ouvidos? Não seria melhor ir ajudar na barraquinha da mãe? Ou ir à praia com o namorado? Para que serve ao jovem tímido e religioso submeter-se a sessões de bullying na escola de uma periferia violenta?

Ocorre que no Brasil não nos é dado escolher onde gastar os recursos que são destinados à educação através dos impostos que pagamos. Quem tem dinheiro paga (além dos impostos) uma escola privada; quem não tem é refém do ensino público. Com os R$600,00 mensais que o Estado gasta  para manter um jovem em uma escola pública ruim, poderia-se pagar uma escola particular pequena, simples, mas segura e com aulas mais adequadas às necessidades do jovem. (Ou ainda melhor: poderia-se pagar um tutor competente para guiá-lo na exploração de um currículo online focado nos seus interesses pessoais e profissionais! … mas isso é assunto para outro artigo). 

Sim, estou falando de vouchers escolares. Trata-se daquele sistema de financiamento público para escolas privadas que atrai a ira de especialistas e burocratas do Estado — cujos filhos raramente estudam em escolas públicas. São os mesmo ‘ungidos’ de que fala Sowell: aqueles que temem perder poder caso os pobres escolham autonomia ao invés de dependência estatal. Seu argumento preferido é que não há evidências científicas de que tal sistema garanta um melhor desempenho acadêmico. Como se fosse fácil ficar pior do que estamos hoje.

Acontece que, ainda que os especialistas teimem em ignorar, estudos recentes mostram que poder usar vouchers em uma escola de escolha tem impacto positivo em resultados não cognitivos, principalmente entre os pobres. Dentre esses resultados, estão satisfação dos pais, a melhoria do desempenho de estudantes pertencentes a minorias mobilidade social, renda, engajamento cívico, tolerância, criminalidade juvenil (1, 2, 3), paz social e — gravidez na adolescência (1, 2, 3).

O que esses estudos apontam como razões para tais efeitos está justamente relacionado à escolha da escola. Em um ambiente propício, jovens pobres vislumbram melhores possibilidades ao seu alcance e escolhem planejar seu futuro, que certamente seria dificultado por uma gravidez. A identificação dos valores da família (1, 2, 3) com os da escola escolhida igualmente reforça os incentivos para que o adolescente faça escolhas adequadas relativas à sua fertilidade. Por fim, para escolas particulares, é economicamente  desvantajoso perder alunos. Não é de seu interesse que haja evasão escolar por desinteresse ou por gravidez indesejada. Nesse sentido, aulas atraentes, que engajem os jovens, tendem a mantê-los “presos” à escola por mais tempo, levando à menor incidência de gravidez.

Para não dizer que não falei de notas: o que os estudos mais recentes (1, 2) mostram é que sistemas de vouchers, de maneira geral, produzem resultados medidos em exames  pouco significativos — embora com tendência positiva. Tais resultados tendem a ser melhores em países em desenvolvimento, como Chile (1, 2, 3) e Colômbia. Não há qualquer surpresa aí: onde há escolas públicas boas, como na Suécia e nos Estados Unidos, as notas de quem usa voucher em uma escola privada e de quem frequenta uma escola pública não diferem muito. Por isso, mesmo nos Estados Unidos, o impacto mais positivo dos vouchers se dá nos bairros predominantemente habitados por minorias étnicas, de menor poder sócio econômico e servidos por escolas públicas menos eficientes.

Enfim, não podemos continuar desperdiçando recursos na esperança de que um dia nossa rede pública de ensino produza resultados suecos. O Estado já ajudaria bastante não impedindo as pessoas de exercerem seu direito de fazer escolhas educacionais. Certamente jovens engajados na construção de seu futuro tenderão a fazer melhores escolhas quanto à sua fertilidade, seja abstendo-se ou fruindo de sua sexualidade com responsabilidade.

 

 

 

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Por Anamaria Camargo 10/02/2020