Educação pública: brasileiros são reféns do monopólio estatal
A doutrinação ideológica presente na educação brasileira talvez explique, pelo menos em parte, porque tantos ainda hoje achem que a razão da pobreza de uns é a riqueza de outros. Possivelmente dessa desinformação e da percepção errônea de que vivemos em uma luta de classes, como prega o credo freiriano, advenha a antipatia em relação a grandes empresas não estatais, dessas que atuam como um quase monopólio.
Frequentemente citadas, por exemplo, são o Google e o Wal-Mart. De fato, é impressionante o market share dessas empresas. Como ferramenta de busca em celular, o Google chegou a ter 78% de share. O sistema operacional Android chegou em 73% dos celulares e, como navegador, o Chrome é o preferido em mais de 60% dos desktops. Já o Wal-Mart é hoje a 24ª maior empresa do mundo e a primeira no seu ramo de atuação. Com tamanha prevalência, efetivamente é difícil de concorrer, mas é preciso ter em mente que não há garantia de que competidores inicialmente insignificantes não crescerão a ponto de suplantar os líderes.
E sobram exemplos de que isto de fato acontece: a falta de atenção a novas tendências e modelos de mercado, levando a decisões erradas, já abateu diversos gigantes.
Podemos citar a Blockbuster, líder do setor de “aluguel” de DVDs, que teve a oportunidade de comprar a Netflix em 2000, mas não quis; a Kodak, que na década de 70 chegou a ter 80% de share das câmeras e 90% de filmes fotográficos; o Yahoo!, que em 2005 era o maior portal de internet do mundo e perdeu a chance de comprar o Google por US$ 1 milhão; a Blackberry, que, em 2007, chegou a ter mais de 50% do mercado de celulares nos Estados Unidos; e o MySpace, que foi a primeira grande rede social dos Estados Unidos e que teve o mesmo destino do Orkut: foram suplantados pelo Facebook, que investiu na criação de novas funcionalidades.
Manter-se um quase monopólio privado não é fácil como querem fazer crer os que clamam contra os lucros exorbitantes dessas empresas. A não ser, claro, que tais empresas tenham a proteção do estado. Passa despercebido a muitas pessoas que o estado atua interessadamente em setores diversos, favorecendo monopólios, ao criar taxas de importação, ao dar subsídios e ao impor regulamentações que só grandes empresas podem suportar.
Não é por outra razão que essas mesmas empresas estão sempre a favor de regulamentações estatais, já que não é do seu interesse a entrada de novos players. Por não se dar conta disto, muita gente segue cegamente engajada na “luta de classes”, ignorando a ação do estado no fomento de monopólios que efetivamente nos empobrecem.
Temos no Brasil, um típico exemplo: os grandes grupos educacionais, que são criticados por terem resultados financeiros “abusivos”, explorando os mais pobres, o que em grande medida é verdade. O que passa despercebido de muitos desses críticos, no entanto, é que isto acontece justamente devido à interferência do estado. Através do rent seeking [termo utilizado para a conquista de privilégios não pelo mercado, mas por influência política], do capitalismo de compadrio, tanto esses grupos quanto os políticos se fortalecem mutuamente.
Em 2016, uma auditoria feita pelo corpo técnico do TCU sobre o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) revelou o esquema. Para ter efeitos político-eleitorais, o programa, teoricamente direcionado para financiar pessoas que não podiam pagar uma faculdade, flexibilizou excessivamente os critérios de acesso. O fato de o período de maior adesão ao Fies (1,2 milhão de novos contratos) ter se dado entre 2013 e 2014, precedendo justamente a campanha de Dilma Rousseff não foi uma coincidência.
Qualquer portador de diploma de ensino médio, sem nota mínima de corte no Enem e mesmo com nota zero em redação estava apto a receber o empréstimo. Ou seja, analfabetos funcionais foram enganados com a miragem de que um curso superior poderia transformar suas realidades. Desnecessário lembrar que tal ilusão rendeu muitos votos para a candidata à reeleição. Este foi o ganho do governo.
E como as empresas ganharam? Para aumentar sua base eleitoral, o governo avalizou o acesso de alunos de renda familiar de até 20 salários mínimos, o que permitiu que alunos de classe média usassem o Fies. Esses alunos, que poderiam pagar, preferiram aplicar no mercado financeiro, com juros reais positivos, enquanto contraíam uma dívida subsidiada pelos cidadãos, com juros reais negativos.
Esta migração de alunos pagantes para a condição de beneficiários sobrecarregou o orçamento e a dívida pública, mas, para os grandes grupos educacionais, foi extremamente positiva. Ao invés de terem que lidar com o risco de inadimplência de milhares de contratos individuais, passaram a tê-los agrupados em um único bom cliente, a União.
Além disso, houve fraudes explícitas, como a cobrança de mensalidades com preços diferenciados para quem era beneficiário do Fies, o que era proibido pelas regras do programa. Sob o disfarce de dar “descontos” para os alunos pagantes, a empresa cobrava do aluno do Fies mensalidades com valor superfaturado. Caso o aluno não conseguisse pagar, o que ficou comprovado com a inadimplência de mais de 50%, a empresa pouco perdia porque tinha o estado como garantidor.
Perdeu o aluno, que se endividou com valores superfaturados, em cursos de qualidade bastante questionável, de maneira geral. Perdeu o programa, que se tornou insustentável e teve que ser reformulado para continuar existindo não sabemos até quando. E, para variar, perdeu o pagador de impostos, que, em última instância, é quem vai arcar com a dívida dos inadimplentes.
Mas existem quase monopólios mais nefastos ainda do que esses baseados em conluios com o estado: os estatais. Isto porque quando é do interesse do estado manter um quase monopólio, além de criar regulamentações através de burocracia excessiva e taxas diversas para potenciais concorrentes, o estado tem a opção de cobrar pelos serviços que provê apenas através dos impostos que arrecada. Isto significa que, para sobreviverem, após vencerem a papelada, as taxas e as especificações impostas, os concorrentes privados têm que atrair consumidores capazes de pagar duplamente: uma vez pelos seus serviços e outra por aqueles que o estado provê.
Segundo o Censo Escolar 2017, esta é precisamente a situação da Educação Básica no Brasil: mais de 80% da provisão escolar está sob o domínio de um provedor apenas: o estado. Este quase monopólio atende à população que não pode pagar pelo serviço privado e que, justamente por não pagar diretamente, não tem o poder de pressão que lhe garanta serviços de qualidade.
Ou seja, além de impor grande dificuldade de concorrência, comum a todos os quase monopólios, este atende primordialmente os que não têm opção e que, portanto, não podem sequer reclamar. Neste caso, o estado não tem, na verdade, clientes; tem reféns de um serviço cuja qualidade não conseguem afetar.
Esta é apenas uma das razões pelas quais o estado resiste tão bravamente a qualquer ideia que possa pôr em risco seu quase monopólio da provisão escolar. Se famílias pobres tivessem vouchers, por exemplo, e pudessem acessar escolas melhores na rede privada, o cativeiro estaria rompido. Quem acreditaria em promessas populistas dos governos? Quem seriam os clientes das arapucas armadas em conluio com o estado? Quem bancaria os passeios de presidentes da república em jatinhos emprestados por donos de empresas “amigas”?