O absenteísmo e a escolha injustificável pela escola pública
Imagine que você tem um negócio de venda de quentinhas. Para conseguir atender aos seus clientes, você contratou 2 cozinheiros. Imagine também que você só conta com os dois na sua cozinha em 85% do tempo para o qual foram contratados. Em 15% das horas de trabalho, apenas um aparece. Nos dias em que você só conta com um, às vezes, dá para concentrar as encomendas no trabalho de um único cozinheiro, claro, com significativa perda de qualidade. No entanto, na maioria das vezes em que tem só um, você simplesmente tem que recusar várias encomendas. Isto significa não apenas perder o dinheiro daquele dia, mas, possivelmente também perder a fidelidade do cliente não atendido.
Obviamente, tal situação não existe porque uma empresa assim simplesmente quebra. A única maneira de uma empresa nessas circunstâncias não quebrar é poder contar com recursos garantidos independentemente do percentual de serviço que é efetivamente prestado e da qualidade dele. Esta é a escola pública brasileira: ineficiente, de péssima qualidade, mas com recursos garantidos por nossos impostos.
A taxa de absenteísmo dos professores de escolas públicas no Brasil é um dos fatores que impactam fortemente nesta péssima qualidade, afetando diretamente o resultado do país no Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa). Indicadores nacionais também confirmam isto. Conforme os resultados de pesquisa da Prova Brasil 2015, para 52% dos gestores de escolas públicas, o alto índice de faltas dificulta o funcionamento da escola. Cálculos do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo também confirmam: nas redes municipais, há uma correlação entre o número de ausências e o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica). Quanto mais faltas, menor o Ideb. Claramente, o maior prejudicado é o aluno em seu aprendizado.
Dados do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, divulgados ano passado pela Folha de S. Paulo, mostram que cada professor das redes públicas de ensino falta, em média, 30 dias por ano (15% da carga anual letiva). O número pode ser ainda pior porque há dúvidas se todas as escolas computam as faltas dos docentes. Isto, em São Paulo, estado mais rico do Brasil. Em torno de 60% das ausências se devem a licenças médicas.
A alta taxa de ausência dos docentes é reconhecida pelo Conselho Nacional de Secretários da Educação (Consed). Dentre as várias causas para o problema, citam a “desmotivação, a inadequação das condições de trabalho, a remuneração insuficiente e a jornada estafante.” De fato, é inegável que o professor da escola pública trabalha sob forte pressão. Além de muitos terem que fazer dupla jornada, há a questão da violência. Segundo a pesquisa Prova Brasil, respondida por estudantes de 5º e 9º ano, professores e diretores de escolas públicas, mais de 22,6 mil professores foram ameaçados por estudantes e mais de 4,7 mil sofreram atentados à vida nas escolas em que lecionam.
No entanto, segundo o relatório do Banco Mundial “Um Ajuste Justo: Análise da eficiência e equidade do gasto público no Brasil”, divulgado em novembro do ano passado, há outras causas. Além dessas, relacionadas a estresse, o absenteísmo também é motivado por leis permissivas que concedem licenças e opções de falta, muitas vezes, sem verificação. Mais: o relatório indica que a desvinculação entre desempenho, estabilidade e remuneração, e mecanismos frágeis de monitoramento e controle fazem com que professores tenham poucos incentivos a manter frequência adequada.
Foi o que também concluíram os autores do estudo divulgado pela Associação Nacional dos Centros de Pós-Graduação em Economia (Anpec). Para eles, a fragilidade dos contratos de trabalho, a gerência pouco qualificada dos recursos humanos, a falta de fiscalização e a benevolência das legislações têm relação direta com o alto índice de absenteísmo.
Neste sentido, a situação da escola pública é exatamente oposta à da empresa de quentinhas do do início do texto, cujo dono não pode simplesmente dispensar seus clientes. Nas escolas públicas, deixar alunos sem aulas porque o professor está ausente é situação corriqueira e que absolutamente não afeta o salário ou o emprego do professor. Também não afeta a existência da escola, que seguirá recebendo normalmente os recursos dos pagadores de impostos. Possivelmente, até mais, já que resultados ruins normalmente são utilizados por burocratas para justificar mais gastos (do nosso dinheiro) para “melhorar a educação”.
Para se ter uma vaga ideia do que acontece com o dinheiro que pagamos via impostos, cito aqui dois exemplos. Em levantamento realizado para um trabalho acadêmico da Universidade Federal do Paraná (UFPR), constatou-se que o gasto da prefeitura de Curiúva (PR) com o absenteísmo chegou a R$ 104.734 no ano de 2015. Um valor alto considerando-se que trata-se de um município de 15 mil habitantes, e que tinha, na época, apenas 84 professores contratados. O outro exemplo vem do Mato Grosso. De acordo com a Secretaria de Gestão, de 2010 a junho de 2014, o custo total com as faltas de professores da educação básica atingiu R$ 253 milhões. Entre 2013 e 2015, o número de processos de licença, afastamentos temporários e readaptação de professores cresceu 25,44%, passando de 10.619 para 13.320.
Em resumo: os cidadãos pagam impostos altíssimos para manter esse sistema caro e ineficiente em que os professores se sentem desmotivados e estafados e os alunos — os mais prejudicados — não aprendem. Se os principais stakeholders não estão satisfeitos, como justificar eticamente a existência deste sistema? Por que insistir nele?