“Uma sociedade preconceituosa, sem formação, impregnada por dogmas religiosos”
“Uma sociedade preconceituosa, sem formação, impregnada por dogmas religiosos”
Essa foi a frase que uma senhora que estava à mesa de uma das plenárias durante a Conferência Nacional de Educação (CONAE) usou para se referir à sociedade brasileira. Imagino que seja uma professora – certamente alguém imbuída da certeza de que tem muito a contribuir com a Educação no Brasil. O trecho do vídeo que me chegou não traz o seu nome, mas na verdade, isso não importa porque ela representava fielmente a grande maioria dos participantes do evento; se não fosse ela a dizer o que disse, seria qualquer um dos outros que lá estavam. Dada a superioridade moral que ela pretendeu transmitir na sua fala, ao longo do texto a seguir, vou me referir a ela como ‘Sua Excelência.’
Sua Excelência parece muito incomodada com os dogmas religiosos que, segundo ela, impregnam nossa sociedade. Mas o que exatamente é um dogma? Para ser breve, trago aqui um resumo dos significados que estão no Houaiss. Basicamente, ‘dogma’ é um princípio estabelecido e indiscutível, ainda que não necessariamente fundamentado ou propagado racionalmente. Nas religiões, refere-se à doutrina atribuída a e/ou revelada através de uma autoridade acima de qualquer dúvida.
Enquadram-se nessa definição, as seguintes afirmações, por exemplo:
- Homens podem menstruar e engravidar.
- Pessoas podem transitar entre uma miríade de sexos, que vão muito além de feminino e masculino.
- A posição que uma pessoa ocupa nas interseções das suas identidades, como raça, sexo, orientação sexual etc. lhe confere um poder místico de acesso à “verdade”, que prescinde de qualquer fundamentação lógico-racional e prevalece sobre ela.
- Situações de desigualdade na sociedade sempre se devem a fatores relacionados à posicionalidade de cada um nas interseções das suas identidades.
- Pessoas brancas – principalmente se forem homens cis-hétero – podem tornar-se um mal menor se confessarem publicamente seus privilégios e se redistribuirem com os não brancos, seu capital social, cultural e/ou financeiro.
- O conceito de normalidade, no que se refere ao ser humano, não está relacionado ao que é estatisticamente prevalente ou moralmente aceitável e sim a ações – deliberadas ou não – de grupos que o constroem e assim garantem o seu poder às custas daqueles que nele não se encaixam.
- Logo, o ‘normal’, de acordo com a moralidade, a ética, a estética, a biologia e o desenvolvimento emocional/psicológico de uma criança, por exemplo, deve ser combatido para que a sociedade seja verdadeiramente justa e plena.
- Opressão é algo transmissível através de gerações, independentemente dos avanços socioeconômicos que possam ter sido alcançados pelos descendentes dos que foram oprimidos.
- Qualquer expressão verbal falada ou escrita (para alguns, mesmo o pensamento involuntário) que contrarie qualquer um dos dogmas acima representa uma ameaça real e imediata à existência de uma pessoa que faça parte da “minoria oprimida” afetada pelo que foi dito, escrito – ou pensado.
Por que digo que se trata de dogmas? Tente refutar racionalmente qualquer uma das afirmações acima em um templo da seita Woke – uma universidade federal ou um encontro nacional como foi a CONAE, por exemplo. Quanto mais você propuser que eles articulem uma explicação cientificamente fundamentada para sustentar cada afirmação acima, mais evidente estará para eles o seu interesse em reforçar os princípios que sustentam seus privilégios. Na melhor das hipóteses, você será tratado como um pecador a ser resgatado. Uma pessoa, como disse Sua Excelência, “sem formação”. Será preciso iniciá-lo no culto, “reeducá-lo” para livrá-lo dos seus “preconceitos”. E, se você se esforçar, se obedecer, se estudar e recitar as escrituras Woke, poderá “formar-se”. Sim, a ‘formação’ a que se refere Sua Excelência é a fé na doutrina Woke.
Convicta de estar correta – porque, afinal, ela é "formada” – Sua Excelência mistura desdém, enfado e impaciência em cada palavra que faz questão de repetir. Lembrou-me uma outra eminente senhora, que há alguns anos, em um evento repleto de comunistas como ela e com igual desdém, vociferou seu ódio à classe média brasileira. Na avaliação de Sua Excelência, somos uma sociedade que, por falta de “formação” e excesso de preconceitos e dogmas religiosos, jamais entenderá o que leva um homem a abrir mão de todos os seus “poderes de macho” e decidir se tornar uma mulher “na subalternidade”. Aparentemente não ocorre a Sua Excelência que pessoas não impregnadas com os dogmas religiosos dela sequer consideram real a possibilidade de que um homem se torne mulher apenas porque assim decidiu.
Através da manipulação das estruturas e dos atores da Educação, Sua Excelência pretende ensinar essa sociedade retrógrada e tacanha a “pensar criticamente”; ou seja, a concordar com ela. Por serem uma “evolução” do neo-marxismo e do pós-modernismo, os Woke creem que só quem tem “consciência crítica” é capaz de desconstruir as "estruturas de poder" que nos aprisionam. Sua práxis requer criticar, desconstruir e destruir. E a fé que os move é a de que, ao final do processo dialógico e destrutivo, o bem se revelará. Alquimia, misticismo – sim, o Wokismo é claramente uma seita, um culto bizarro. Mas seria injusto se disséssemos que seus sectários são movidos exclusivamente pela fé na sua ‘Teoria Crítica’. Eles querem cotas, cargos, recursos, poder. Não existe Woke grátis.
Na prática, isso significa que, para os Woke, é preciso criticar, “descentrar” e demolir a propriedade privada, a liberdade de expressão, a liberdade religiosa, a responsabilidade individual, a igualdade perante a lei, a inocência infantil, a família como unidade básica e estável da sociedade, as relações hierarquizadas como as que existem entre pais e filhos e professor e aluno, a meritocracia, a Ciência, as artes eruditas, as escolas e as universidades. Enfim, é preciso destruir todas as ideias e instituições que resistam ao avanço e ao poder da sua seita.
Se isso não for ruim o suficiente, é preciso lembrar que o fervor e o rigor quase puritanos com que os membros da seita Woke controlam sua própria linguagem e seu próprio comportamento não se limitam a eles mesmos. A seita Woke é fundamentalista e totalitarista. Por exemplo, não vemos cristãos – sejam católicos ou evangélicos – impondo os seus dogmas aos filhos de pessoas não cristãs, mas é exatamente assim que agem os Woke, principalmente nas escolas. Inclusive nas escolas públicas, que se dizem laicas. Sim, nós brasileiros de todas as religiões, ou de nenhuma, financiamos compulsoriamente o ensino de dogmas religiosos da seita Woke a crianças e jovens. O Art. 33 da LDB diz expressamente que nas escolas públicas de ensino fundamental, deve ser assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo." No entanto, foi exatamente para exaltar a necessidade de ampliar o alcance da "formação" religiosa Woke que Sua Excelência proferiu suas palavras de desdém contra os incréus. Apesar do intenso proselitismo que já existe nas escolas, a sociedade ainda não está à altura do que Sua Excelência julga adequado.
Suponho que a ilustre presença de Sua Excelência à mesa da plenária se deva ao reconhecimento da sua expertise na práxis evangelizadora dentro de instituições educacionais. Que outro critério poderia ter sido usado para escolher os palestrantes da CONAE? Competência científica? Excelência de gestão escolar? Alcance de metas de desempenho educacional? Quem cometeria a heresia de cogitar tais critérios? Mais: que outra razão moveu aqueles que produziram o texto referência se não o de normatizar e articular de maneira coordenada – ou nas suas palavras, de maneira “democrática” – a sua doutrina? O que foi a CONAE se não uma celebração de fé?
Sim, fé e adesão total à doutrina Woke e a seus dogmas religiosos, pois “revelados” através de autoridades acima de qualquer dúvida – ouse questionar Marcuse, Foucault ou Paulo Freire, por exemplo – e celebrados por evangelizadores bem “formados”. Alguém como Sua Excelência. Segundo essa casta iluminada, apenas eles, os “formados” na seita, os que têm “consciência crítica”, têm a correta percepção de como a sociedade é estruturada. Portanto, dogmas religiosos não só podem, como devem impregnar a sociedade – desde que sejam exclusivamente os dogmas deles. E é com base na imposição dos seus dogmas, através do novo Plano Nacional de Educação, que pretendem "formar" as novas gerações.